Não estamos a levar as ameaças nucleares de Putin a sério mas a História sugere que devíamos
Putin falou várias vezes em usar armas nucleares desde que invadiu a Ucrânia. A Atenção e a preocupação iniciais desta ameaça nuclear, em setembro de 2022, parecem entretanto ter-se dissipado. Devíamos levá-lo a sério? Sim.
Vladimir Putin falou diversas vezes sobre o uso de armas nucleares desde que invadiu a Ucrânia, em fevereiro de 2022. A atenção e a preocupação iniciais que a Comunicação Social lhe prestou, quando falou pela primeira vez sobre o assunto, há exatamente dois anos, parecem ter-se entretanto dissipado amplamente, “provavelmente por causa da frequência com que ameaçou recorrer ao uso do arsenal nuclear da Rússia“, considera Colin Alexandre, professor de Comunicação Política da Universidade Nottingham Trent.
Putin emitiu há dias, em 21 de junho, a sua ameaça mais forte, afirmando que a Rússia usaria armas nucleares contra qualquer país que a atacasse, mesmo com armas convencionais. Esta declaração parece ter a intenção de “influenciar o debate que acontece nas Nações Unidas”, onde o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky está tentar persuadir os aliados ocidentais a permitir que a Ucrânia use as armas que lhes forneceram contra alvos nas profundezas da própria Rússia, considera Alexandre.
A linha vermelha
“Esta tem sido a linha vermelha que até agora os aliados da Ucrânia não estão dispostos a cruzar”, constata o professor da Universidade Nottingham Trent, considerando que “isto pode estar prestes a mudar”, e que “a reação da Rússia tem sido reiterar uma resposta nuclear”.
Para os interessados no estudo da propaganda, as ameaças de Putin parecem ter-se movido do que o estudioso de Comunicação norte-americano Dan Hallin chamou de “esfera de controvérsia legítima”, em que a validade de uma declaração é urgentemente debatida por jornalistas, políticos e académicos, para a “esfera de consenso”, onde há “amplo acordo sobre o significado da mensagem” – “o que, geralmente, resulta em receber menos atenção”, diz Colin Alexandre.
Acreditar que Putin não leva a sério o uso de armas nucleares é “uma suposição perigosa de se fazer”, embora forneça “uma boa oportunidade para examinar a relação política e pública com armas nucleares em mais detalhes”.
A psicologia das ameaça com armas nucleares
A maioria dos adultos sabe da existência de armas nucleares e entende as consequências da sua utilização. Muito poucos “são simplesmente ignorantes sobre elas ou o seu imenso poder”. “A aniquilação total é tão avassaladora que pensamos nela apenas de forma fugaz”, diz. E o resultado é “tendermos a concentrar-nos antes em futuros menos drásticos”.
Estas “negações e ‘autoenganos'” regulares “afetam no entanto as perspetivas políticas”. “De vez em quando, o líder de um país com armas nucleares é questionado por um jornalista ou outro político sobre a sua prontidão para premir o botão nuclear e respondem invariavelmente que ‘sim’. E quando a pergunta lhes é dirigida diante de uma plateia, por norma há aplausos entusiasmados.”
A resposta – a disposição de um político individual provocar o fim do mundo – “é talvez a evidência mais convincente da dualidade em que a ameaça de guerra nuclear existe”, confirma Alexandre. “Em vez de percecionar a resposta como sinal preocupante de que um maníaco manobrou de alguma forma o seu caminho para um alto cargo e deve ser imediatamente removido, o eleitor perceciona a declaração como um significante de força de liderança”, diagnostica.
Psicologicamente, pode argumentar-se que os aplausos “representam, na verdade, uma demonstração de alívio pelo facto de que esse ‘autoengano’ em massa pode continuar”.
‘Propaganda do medo’ e viés de confirmação
Durante a Guerra Fria, a propaganda oficial dava grande ênfase à ameaça e à preparação para um ataque nuclear. O filme Threads da BBC foi exibido pela primeira vez há 40 anos, em setembro de 1984, e retratava as consequências de um ataque nuclear. Foi responsável por grande alarme entre o público britânico numa época em que a Comunicação Social, os filmes e até a literatura oficial estavam também focados na ameaça de uma guerra nuclear.
Entre 1974 e 1980, o governo do Reino Unido emitiu um folheto intitulado Protect and Survive, acompanhado de curtas-metragens. A BBC, no seu papel de serviço público, exibiu igualmente programação de documentários, incluindo uma edição de 1980 do Panorama – If The Bomb Drops. O estudo – de 1957 do secretário de estado dos EUA Henry Kissinger – Nuclear War and Foreign Policy causou igual alarme, ao argumentar que uma “guerra nuclear de pequena escala” usando armas de “campo de batalha” poderia ser possível.
Comunicações da Guerra Fria como estas serviram para “focar a mente pública na ameaça de ataque nuclear acima de todos os outros medos”, afirma Colin Alexandre. “E, talvez, naquela época, estivessem certos em fazê-lo. Passaram-se entretanto mais de 30 anos desde o fim da Guerra Fria e a ênfase dentro do que é conhecido como ‘propaganda do medo’ concentra-se agora noutras ameaças, como extremismo, pandemias e migração.”
Como tal, as ameaças nucleares de Putin “fornecem aos analistas de propaganda, como eu, um caso de estudo sobre o papel importante desempenhado pela propaganda do medo na determinação do que as pessoas têm medo”. “Se considerado dentro da história mais ampla do medo do holocausto nuclear, fica claro que os líderes políticos não podem confiar apenas nas suas palavras para serem levados a sério. Exigem um ambiente de propaganda de apoio mais amplo – como a atmosfera criada no auge da guerra fria”, afirma.
Putin, o “louco”
Perguntas sobre como interpretar as ameaças de ataque nuclear de Putin “devem ser posicionadas como as mais recentes de uma longa (mais ou menos) linha de líderes mundiais que tentaram convencer o público global da sua prontidão para cometer genocídio nuclear”.
Richard Nixon, por exemplo, usou o que foi chamado de táticas de “louco”, ao tentar convencer as pessoas da sua prontidão para premir o botão. Curiosamente, as representações mais recentes de Putin, Kim Jong-un e outros líderes autoritários como “loucos” por tabloides ocidentais “podem realmente ajudá-los, minimizando o facto de as suas capacidades militares inferiores quando comparadas às dos aliados da NATO”.
Colin Alexandre alerta no sentido de que “não se pense por um momento que qualquer uma destas discussões sobre propaganda aumenta ou diminui a ameaça real representada pelas armas nucleares”. Porque existe, “de facto, um grau de viés de confirmação entre políticos, jornalistas e outros comentadores públicos de que, como a guerra nuclear não aconteceu durante a Guerra Fria, é improvável que aconteça agora”. Isto não pode, porém, ser garantido. “Pode ser que estas conclusões sejam erroneamente baseadas na intensidade do ambiente de propaganda – não na realidade da ameaça representada.”
Para esse fim, “devemos lembrar que a capacidade de premir o botão está bem dentro da capacidade da mente humana sã”. O presidente dos EUA Harry S. Truman premiu o botão em 1945. Recebeu relatórios detalhados da morte e da destruição que a sua decisão causou em Hiroshima e o que fez depois? Voltou a premir o botão para aniquilar Nagasaki.
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