Como Putin usa as filhas, a amante e os amigos para esconder a fortuna

Putin não esconde apenas a família e os amigos. Usa-os para fazer circular de forma subterrânea uma alegada fortuna sem fim. Conheça o círculo íntimo e os ‘bonecos’ usados no carrossel financeiro do “homem mais rico do mundo”.

Como Putin usa as filhas, a amante e os amigos para esconder a fortuna

A invasão da Ucrânia pela Rússia deixou a comunidade internacional focada no presidente russo, Vladimir Putin. Além de concentrado na guerra, há muito planeada, esforça-se ainda por controlar a comunicação social, por dois motivos indissociáveis. Em primeiro lugar, para que a propaganda política permita controlar a perceção da população russa sobre a guerra contra os vizinhos ucranianos. E, em segundo, para desviar a atenção da família e do círculo íntimo de amigos – interesses, na verdade. A razão é simples. O líder de 69 anos quer evitar a todo o custo que a curiosidade leve os media a desenrolarem um novelo de intrincadas ligações: um carrossel financeiro que movimenta a sua incalculável fortuna.

A imagem de macho cuidadosamente selecionada de Putin – frequentemente fotografado a cavalgar, a levantar pesos e a posar em tronco-nu – coloriu grande parte da compreensão do público russo sobre o seu líder. Putin esforça-se igualmente para afastar dos holofotes o círculo de amizades e, principalmente, as filhas, que nunca reconheceu publicamente. Não havendo melhor forma de desenhar o fiel retrato da vida íntima e pessoal do ‘urso russo’, a comunicação social tem especulado – e relatado – durante anos sobre as duas filhas de Putin com a ex-mulher e até a alegada amante, com quem poderá ter tido outra filha.

A vida das filhas secretas de Putin

Uma delas, Catarina Tikhonova, terá criado um perfil público no Instagram e foi vista no ano passado a intervir no Fórum Económico Internacional de São Petersburgo, na Rússia. E, tal como nas anteriores aparições públicas, ninguém a vinculou de forma explícita a Putin. Putin tem duas filhas do primeiro casamento, com a antiga comissária de bordo Lyudmila Shkrebneva, com quem foi casado três décadas, até o divórcio, em 2013. Os nomes das filhas são Maria e Catarina. Maria nasceu em Leninegrado em 1985 e Catarina na Alemanha, um ano depois, onde a família viveu durante os tempos de Putin no KGB. Ambas têm os nomes das avós. Maria é na verdade tratada por Masha e Catarina por Katya, nomes comuns na Rússia.

Quando a família se mudou para Moscovo, em 1996, as filhas frequentaram uma escola de Língua alemã, mas terá sido retiradas da escola quando Putin se tornou presidente interino. As crianças passaram a estudar em casa. “Nem todos os pais são tão amorosos com os filhos como ele é”, assegurou Lyudmila, citada no site do governo de Putin. “Sempre as mimou. Era eu quem tinha que discipliná-las.”

Maria estudou inicialmente Biologia e, mais tarde, doutorou-se em Medicina na Faculdade de Medicina de Moscovo. Catarina formou-se em Estudos Asiáticos. Ambas frequentaram a universidade sob identidade falsa. Maria, hoje com 36 anos, é investigadora médica e vive em Moscovo, com o marido, o holandês Jorrit Faassen, e terão um filho. Putin chegou aliás a confessar ao cineasta Oliver Stone, em 2017, que era avô, mas que, após insistência de Stone, brincava com o neto “muito raramente”. “Infelizmente,”

Catarina terá supostamente uma vida de luxo. Passa a vida a criar fortuna e gastá-la a toda a velocidade, ainda assim menor do que aquilo que vai conseguindo adquirir. Aos 35 anos, é bailarina acrobática alegadamente talentosa e ocupa o cargo de coordenadora da incubadora de startups da Universidade Estadual de Moscovo, avaliada em 1,7 mil milhões de euros. Casou-se com o multimilionário russo Kirill Shamalov em 2013, mas divorciou-se cinco anos depois, em 2018. A contenda judicial viria a expor uma fortuna pessoal conjunta de 2 mil milhões de euros. Por fim, os rumores de que Putin tem uma terceira filha, fruto da alegada relação extraconjugal com a ex-ginasta rítmica russa Alina Kabaeva. Nem o relacionamento nem a filha foram alguma vez confirmados.

Apesar de ter sempre tentado manter as herdeiras fora dos media, Catarina interveio em diversas ocasiões na televisão estatal russa como especialista em biotecnologia, tendo iniciado essa colaboração em dezembro de 2018. A sua presença nunca levantou comentários sobre  a sua hereditariedade, mas a ligação acabou por ser feita – de forma quase despercebida – no decorrer de uma competição de dança, entretanto anulada de forma abrupta e nunca explicada.

No final de 2020, Putin anunciou que a Rússia tinha concluído sua vacina anti covid-19, ainda antes de concluídos os estudos sobre segurança e eficácia. Para tranquilizar a população, o presidente russo acrescentou que uma das filhas – sem explicar qual – já a tomara. E que esta era a maior prova de segurança do fármaco. “Ela fez parte da experiência”, garantiu. “Está a sentir-se bem e tem um elevado número de anticorpos”, acrescentou. Se o raro reconhecimento inédito para Putin sobre a vida pessoal foi sincero ou se ão passou de uma farsa cuidadosamente calculada para melhorar sua imagem está por esclarecer.

Riqueza escondida de Putin revelada pelos Panama Papers

De acordo com o The Guardian, que teve acesso aos Panama Papers em setembro de 2003, ocorreu uma transação secreta no Mónaco, paraíso fiscal associado aos ricos internacionais. Tratava-se de um apartamento exclusivo junto ao mais luxuoso casino monegasco. O imóvel depressa mudou de mãos, na presença de um notário local, pelo valor de 3,6 milhões de euros. A habitação situa-se num quarto andar, tem dois lugares de garagem, arrecadação e livre utilização da piscina do complexo Monte Carlo Star.

Da varanda, o novo proprietário podia contemplar a marina cintilante do Mónaco, recheada no verão com enormes iates. A segurança garantiu que os moradores não fossem incomodados por turistas que circulassem em torno de um mini-jardim construído no telhado do complexo, com o ‘agradável’ som predominante daquela ‘natureza’ ​​– o barulho dos helicópteros que transportam os recém-chegados do aeroporto de Nice.

A identidade do comprador do apartamento era um mistério. Oficialmente, tratava-se de uma empresa offshore registada nas Ilhas Virgens Britânicas (BVI) – Brockville Development Ltd –, que, por sua vez, pertencia a duas outras entidades registadas no Panamá – Sefton Securities – e, mais tarde, Radnor Investments SA. Para quem olha de fora, o esuema assemelhava-se à tradicional matrioska, com o beneficiário final aninhado sob várias camadas.

Graças aos Pandora Papers, o The Guardian identificou o comprador do apartamento: uma mulher de 28 anos, em 2003, desconhecida na altura, com o nome Svetlana Krivonogikh. No espaço de alguns anos, Krivonogikh tornou-se extremamente rica. Adquiriu um apartamento num complexo de prestígio na sua cidade natal, São Petersburgo, propriedades em Moscovo, um iate e outros ativos no valor estimado de 91 milhões de euros. Como se explica esta ascensão saída de um conto de fadas? De acordo com vários relatos na comunicação social, o passado de Krivonogikh é modesto. Cresceu num apartamento comunitário, partilhando cozinha e casa-de-banho com outras cinco famílias. Estudou como administrativa e trabalhava como empregada de limpeza numa pequena loja. No final dos anos 1990, porém, terá conhecido Vladimir Putin e largou o balde a esfregona.

Em 2020, o site de investigação Proekt – um dos poucos meios de comunicação independentes restantes da Rússia – afirmou que Krivonogikh formou uma amizade com Putin nos tempos em que ele era vice-presidente da câmara municipal de São Petersburgo e que pouco tempo depois se tornaram amantes. Independentemente da natureza exata do relacionamento, parecem ter sido próximos. A escassa evidência pública indica que viajaram juntos nos mesmos aviões, por exemplo, quando Putin subiu ao poder. Em 1998, tornou-se chefe da agência de espionagem do FSB, depois primeiro-ministro e, em 2000, presidente, sucedendo a Boris Yeltsin. Três anos depois, em março de 2003, Krivonogikh deu à luz a filha, Elizaveta, ou Luiza. O Proekt noticiou que Putin é o pai de Luiza. O Kremlin não comentou.

Após o ‘furo’ do Proekt, Luiza passou a participar ativamente em chats nas redes sociais e a sua conta no Instagram – entretanto eliminada – apresentava imagens de festas, amigos de famílias influentes e viagens em jatos particulares. Luiza esquivou-se sempre de perguntas relacionadas com Putin. Independentemente da discussão sobre o direito – que não devem ter, como se percebe – ao respeito pela vida privada, a história de Krivonogikh não é meramente sobre um alegado romance há muito fracassado. É, na verdade, sobre dinheiro e como, de acordo com os Pandora Papers, o círculo íntimo de Putin usou o Mónaco como centro discreto para os seus assuntos financeiros.

O próprio príncipe Alberto do Mónaco tem boas relações com Putin. Nas últimas duas décadas, a influência russa no principado cresceu. “Tornou-se na Moscovo à beira-mar e a mentalidade é o exibicionismo”, relata Dominique Anastasi, advogado local. Muitos estrangeiros, incluindo russos bem abastados, foram atraídos pelo clima quente e pela ausência de impostos, diz. “Ninguém pergunta de onde vem o dinheiro, não há cultura de confirmação. Não há declaração de impostos.”

O contabilista discreto

Passando entre os Rolls-Royce e Lamborghini estacionados junto ao casino e ao Hôtel de Paris – de cinco estrelas, naturalmente – chega-se à Rue de Lilas. Nos números 4 a 6 ficam os escritórios de contabilidade e impostos Moores Rowland, com ligação a uma rede de empresas de advocacia e prestadores de serviços offshore de todo o mundo. Pouco há para ser visto do lado de fora dos edifícios, além de um agradável canteiro florido junto às fachadas. A empresa tem um diretor-geral britânico, Eamonn McGregor. Vários documentos mostram que foi ele quem fundou a Brockville Development Ltd, empresa de Krivonogikh.

Não é claro como McGregor se tornou no contabilista discreto da antiga empregada de limpeza, a alegada cinderela de Putin. Filho de um polícia, McGregor nasceu em 1950 na cidade litoral de Southport, Merseyside, em Inglaterra. Estagiou em Liverpool, trabalhou para Littlewoods Mail Order Stores e ingressou na Moores Rowland, em 1978. Especialista em política tributária, fala francês e italiano. Em 1998, Rainier, então o príncipe do Mónaco, ordenou McGregor Cavaleiro da Ordem de São Carlos e foi uma questão de tempo até que os Pandora Papers revelaram os clientes ricos de McGregor no Mónaco, entre eles o oligarca Gennady Timchenko, com uma fortuna estimada pela Forbes de 20 mil milhões de euros. McGregor foi o contabilista silencioso que geriu os ativos dele e da família nos últimos 20 anos, entre os quais jatos provados e um iate de aproximadamente 40 metros, o M/S Lena, em homenagem à mulher.

Timchenko e Putin são amigos desde, pelo menos, o início dos anos 1990, quando o primeiro dava os passos iniciais numa petrolífera sediada de São Petersburgo e o segundo um político em ascensão. Em 1991, Putin – então chefe do comité de relações exteriores da cidade – concedeu a Timchenko uma licença de exportação de petróleo.

Timchenko cofundou a Gunvor, uma trading com sede na Suíça que exporta petróleo russo, no valor de milhares de milhões de euros impossíveis de contabilizar. A questão de quem exatamente beneficia Gunvor é contestada. Em 2007, o especialista em ciência político de Moscovo Stanislav Belkovsky alegou que Putin era um dos beneficiários das atividades da empresa – na verdade, um coproprietário secreto –, algo que Gunvor diz ser “ridículo”. Nega, aliás, que Putin tenha – ou tenha tido – algum interesse ou patricipação na empresa. A ascensão de Timchenko “foi absolutamente sem a minha participação”, disse Putin. Em 2014, o governo Obama impôs sanções a Timchenko, juntamente com outros membros do “círculo interno da liderança russa”. Todos terão agido “em nome de Putin”, alegou um “alto funcionário do governo russo”. O departamento do tesouro dos EUA considerou “as atividades de Timchenko no setor de energia diretamente ligadas a Putin.” e que este terá “investimentos em Gunvor e pode ter acesso a fundos de Gunvor”.

A Moores Rowland alega no entanto estar em “conformidade com todas as leis e regulamentos aplicáveis” e que não pode “discutir sobre os clientes pelo estrito dever de confiança”, acrescentado que os clientes são aceites “após verificações rigorosas” e que “não há sugestão de irregularidades nem nada ilegal ou impróprio na criação de empresas offshore”. Os Pandora Papers mostram todavia como a empresa ajuda indivíduos abastados, alguns sujeitos a sanções dos EUA, a ocultar a sua efetiva propriedade e deixa expressas muitas dúvidas sobre como confirma as fontes de riqueza dos clientes.

Os métodos da empresa são certamente engenhosos. Antes de 2002, um cliente abria ou adquiria uma empresa offshore personalizada, mas a partir desse ano a Moores Rowland passou a usar um novo sistema. Reunia um pequeno grupo de empresas offshore internas, lideradas por diretores indicados, usadas ​​para manter os ativos de diferentes clientes. Assim, uma única estrutura corporativa, como a Radnor Investments, detinha o iate de Timchenko, o apartamento de Krivonogikh e muito mais. Radnor tinha ainda ações noutra entidade, a Roxlane Corporate, que assinou uma espécie de “contrato de confiança cega” com Timchenko, permitindo que ele usasse o seu próprio iate. De forma labiríntica, os nomes dos clientes desapareceram do registro público. De forma imaculadamente legal.

A documentação dos Pandora Papers lança por isso luz sobre estes esquemas compartimentados. E levanta questões sobre se Putin pode lucrar pessoalmente com o comércio de transferência de petróleo da Rússia, como alegam os EUA. Timchenko entrou no negócio com dois sócios de Leningrado. Os Pandora mostram que os três foram registados como proprietários da International Petroleum Products (IPP), empresa privada com raízes na era soviética. Moores Rowland foi o CEO da IPP e os advogados de Timchenko alegam, naturalmente, que ele sempre agiu “totalmente legal ao longo da sua carreira e negócios”.

Quando Putin se tornou presidente, a parceria começou a relevar as primeiras brechas. O trio de Leningrado desentendeu-se e, em outubro de 2003, demitiram-se da empresa, de acordo com os documentos. No mesmo dia, um novo CEO substituiu-os – Petr Kolbin – apesar das escassas e duvidosas qualificações para o cargo. Exceto, talvez, uma: ser um velho amigo da família de Putin.

Amigos para a vida

Em dezembro de 1941, Viktor Kolbin terá sido ferido enquanto lutava contra os alemães na frente de Leninegrado. “Estava terrivelmente frio”, recordou décadas depois. Foi “incapaz” de se mover e ficou “gravemente ferido”. “O sangue manchava a neve” e um médico tê-lo-á arrastado. Nas suas palavras, viveu “a grande guerra patriótica”, como os russos apelidam a II Guerra Mundial. Mais tarde, tornou-se professor e diretor de uma pequena escola de aldeia em Imenitsy, não muito longe da Estónia.

No verão de 1954, uma família de Leninegrado alugou um quarto na aldeia da tia de Kolbin. Eram os Putin. Kolbin deu-se bem com Vladimir Spiridonovich Putin, também ele ferido quando lutava perto de Leninegrado. Ambos haviam sobrevivido ao cerco nazi da cidade, no qual tantos morreram. “Encontrámos algo comum”, disse Kolbin ao jornal local Pravda Severa, em 2002. Os Putin levaram o filho de dois anos com eles – também Vladimir.

O filho de Kolbin, Petr, e o jovem Vladimir tornaram-se amigos. Em 1969 – quando Petr tinha 17 anos e Vladimir 16 – foram ao baile da aldeia vizinha. De acordo com Kolbin, envolveram-se numa luta com rapazes locais e voltaram para casa “tarde, com hematomas e um lábio rebentado“. Putin decidiu começar a aprender judo. Queria juntar-se ao KGB e necessitava de estar fisicamente preparado.

As vidas dos dois homens evouíram de forma divergente e Kolbin trabalhou desde sempre num matadouro. Mas Putin nunca esqueceu os Kolbin. Assim que assumiu o cargo de presidente, enviou uma carta a Viktor a dar-lhe os parabéns pelo aniversário. Em entrevista, o senhor Kolbin, pai de Petr Kolbin, revelou que o filho continuava em contacto com com Putin e que até “talvez trabalhasse para ele”. “O Petr não me conta nada sobre isso. Diz-me que não devo entupir o meu cérebro com coisas que é melhor eu não saber.”

Em 2001, Petr Kolbin era dono de uma empresa próspera, fornecedora de equipamentos para a Gazprom. Outra empresa de Kolbin, a Surguteks, tornou-se na principal exportadora da Surgutneftegas, a quarta maior empresa petrolífera da Rússia. Kolbin entrou para a Timchenko como sócio em vários empreendimentos, incluindo a IPP e a Gunvor, das quais adquiriu 10% de participação.

O dinheiro jorrava. Os registos da Moores Rowland mostram que Kolbin abriu uma conta bancária na Suíça, aberta em maio de 2002, no banco Vontobel, em Zurique, registada em nome de uma empresa de fachada com sede no Panamá, a Insize Industries SA. Uma semana depois, Dmitry Gorelov, oficial do KGB que conhecia Putin desde a década de 1980, quando estiveram em serviço em Dresden, tornou-se no segundo signatário. Em 2006, Kolbin e Gorelov abriram uma segunda conta no HSBC Singapore. A fortuna de Kolbin atingira os 502 milhões de euros.

Mas seria o dinheiro realmente dele? O jornalista russo Roman Shleynov, que em 2012 conversou com Kolbin, descreve-o como “um sujeito normal de São Petersburgo, que levava uma vida modesta”. “Conduzia um Toyota simples, viajava na Aeroflot, tinha um cão pequeno e disse-me não era um homem de negócios. Kolbin não largava o telefone um segundo porque os camaradas superiores podiam ligar-lhe a qualquer momentos para assinar mais qualquer coisa.”

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Kolbin operou nas sombras durante muito tempo. Até que, em 2012, o jornal russo Vedomosti revelou-o como o terceiro coproprietário da Gunvor, juntamente com Timchenko e o chefe executivo sueco Torbjörn Törnqvist. Quando os EUA impuseram sanções a Timchenko em 2014, a IPP – até então conhecida como LTS Holdings – foi transferida para Kolbin, sugerem os documentos. A Gunvor esclareceu nesse momento que Timchenko se afastou “total e irrevogavelmente” da empresa. E que agora não tem “absolutamente qualquer envolvimento”. O vínculo familiar de Kolbin com Putin foi revelado em 2016, quando a estação de TV Rain foi à vila de Kolbin e conversou com os vizinhos dele. Segundo a Forbes, Kolbin morreu em 2018.

O líder da oposição Alexei Navalny – agora preso, envenenado no ano passado na Sibéria – afirmou que a Gunvor pertence a Putin, o “homem mais rico do mundo”. A Gunvor nega-o veementemente. Outros, incluindo o ativista Bill Browder, afirmam que o presidente usa uma variedade de testas-de-ferro. “é inteligente. Não pode esperar-se que haja uma única conta em nome dele”, diz o vice de Navalny, Leonid Volkov.

Portfólio de sombras

Em 2006, Putin foi visto a deslizar pela neve de óculos escuros. Tinha ido à abertura da sua estação de esqui favorita, Igora. Batizado com o nome de um lago local, não fica longe da comunidade de Ozero, 100 quilómetros a norte de São Petersburgo, onde, na década de 1990, Putin e o seu círculo íntimo construíram casas confortáveis.

Um membro do Ozero era Yuri Kovalchuk, o maior acionista do Rossiya, um banco de São Petersburgo fundado em 1990 com fundos do Partido Comunista. Quando Putin se tornou presidente, o balanço do banco disparou. Milhares de milhões fluíram para os cofres do Banco Rossiya, que a Casa Branca alega pertencer ao grupo Ozero e ser “o banco pessoal” de Putin.

Os outros ativos de Kovalchuk incluem o resort Igora, que pertence à empresa Ozon LLC. Kovalchuk tem uma participação de 25% e os outros 75% são propriedade da Lowbrook Trading, empresa registada no Chipre. Em 2016, os Panamá papers lançaram luz sobre estas questões opacas. Entre 2009 e 2011, a Ozon recebeu 8 milhões de libras em três empréstimos sem garantia. O dinheiro veio de uma empresa offshore, a Sandalwood Continental, que estava ligada a um outro velho amigo de Putin, o violoncelista Sergei Roldugin.

Em 2020, a Proekt identificou Krivonogikh como a outra proprietária oculta de Igora. Parece haver poucas dúvidas de que Putin gosta do resort. Segundo a Reuters, foi o local em 2013 para o casamento da filha do presidente catarina com Kirill Shamalov, filho de outro velho amigo de Putin, Nikolai Shamalov, outro acionista do Banco Rossiya.

O enriquecimento dos camaradas de Putin começou no primeiro mandato no Kremlin, altura em que o presidente declarava publicamente guerra contra os oligarcas. Criticou empresários que fizeram fortuna na década de 1990 e que se consideravam – como Putin disse – “deuses”. Nos últimos anos, Putin criticou os magnatas “antipatrióticos que escondem dinheiro no exterior”.

O apartamento de Krivonogikh no Mónaco, ao que parece, fará parte de um portfólio de sombras muito maior. De onde veio o dinheiro para financiar a compra é incerto. Ninguém soube explicar aos repórteres de uma investigação do The Guardian se Krivonogikh vivia naquele apartamento do Monte Carlo Star. O porteiro disse que o nome não constava na lista de moradores. Uma mulher que abriu a porta do seu apartamento negou conhecê-la. Também não se sabe como Krivonogikh se tornou cliente da Moores Rowland. Ou se a empresa estava ciente das suas ligações políticas a Moscovo.

Roldugin, Gorelov, Kovalchuk e Bank Rossiya nunca falaram sobre o assunto, embora o quadro geral revelado pelos Pandora Papers seja gritante. Putin não ‘domou’ os oligarcas. Em vez disso, é indicada a existência de um novo sistema feudal, onde os seus amigos e associados da KGB foram os principais beneficiários. Alguns adquiriram enormes fortunas e a suspeita é a de que essa fortuna, em última análise, não é deles.

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