O humor tem um papel na destruição de tabus ou é só palhaçada?
Fredrico Pombares, humorista autor dos textos do programa da SIC Tabu, e o neurocientista português Fabiano de Abreu Rodrigues olham para o humor como ferramenta para destruir tabus.
Tem graça Frederico Pombares dizer que o humor “é fazer rir” e Fabiano de Abreu Rodrigues afirmar que é uma espécie de medicamento. O engraçado disto é que a resposta seca do humorista autor dos textos do programa Tabu passa a ter piada porque o neurocientista internacionalmente reconhecido acrescentou logo que rir é o melhor remédio. Pombares parece ter-nos diagnosticado o mal e Abreu Rodrigues prescreveu-nos logo uma dose de gargalhadas para tratarmos a nossa saúde.
O vídeo no início do artigo é o ponto de partida para a reflexão de Frederico Pombares e de Fabiano de Abreu Rodrigues para o Portal de Notícias sobre se o humor pode funcionar como rastilho no indivíduo para – primeiro – levá-lo à tomada de consciência de um preconceito, ou tabu, e – depois – levá-lo a refletir. Eventualmente, até, levá-lo a equacionar o conceito com que cresceu na sociedade. O humor tem um papel na destruição de tabus? A resposta não é óbvia.
Como funciona o humor no cérebro
Subtil ou disparado, o humor atinge o recetor “conforme o nível de inteligência” que ele tem, explica Abreu Rodrigues. A forma como chega ao público “depende sempre de como o afeta pessoalmente”. “Mesmo que tenhamos mente aberta, quando toca na realidade do indivíduo pode perder a graça. Até mesmo quando ouvimos piadas mais fortes sobre temas que não nos tocam diretamente” podemos ficar afetados: “chocados”.
Quimicamente, “substâncias como dopamina, serotonina e adrenalina, quando libertadas no cérebro, provocam sensação de bem-estar e de felicidade”, explica o neurocientista, “podendo proporcionar euforia e gargalhada”. “Somos semânticos e quando o nosso organismo está em homeostase que tende a um linear pro-positivo, evitamos qualquer questão que possa levar-nos abaixo deste linear. Então, começamos a entender a vida com a positividade que sugestiona essas semânticas: a despreocupação para com tabus e preconceito. Assim, o humor trabalha no cérebro provocando melhor saúde mental, pelas circunstâncias descritas acima”, elucida.
Por que é que piadas que usam preconceitos provocam reações opostas?
“Uma piada pode mudar o espírito de uma pessoa, mas não lhe muda as crenças. Cada humorista pode passar a sua mensagem, mas o objetivo será sempre fazer rir. Não há nada mais inclusivo do que o humor livre e isso nunca vai mudar. Mesmo que tentem”, defende. “Os limites do humor são de quem vê e não de quem faz”, preambula Pombares.
Assim, a mesma piada que utilize um preconceito pode provocar reações opostas, dependendo de quem a recebe. São “fatores como cultura, educação e personalidade” que interferem “no entendimento e na intenção da piada”, expõe Abreu Rodrigues. “O cérebro de uma pessoa auto realizada, inteligente, pode medir a intenção da piada de forma cognitiva e julgá-la de forma mais assertiva do que alguém com transtornos mentais”, exemplifica.
Mas, no fundo, o humor – e os seus operários – estão-se nas tintas para isto. Pombares simplifica. “O humor serve para fazer rir.” E depois critica “a necessidade crescente de atribuir missões ou objetivos ao humor para além da única que é real, fazer rir”. “Tende-se a ‘complexificar’ o que é muito simples, por razões erradas. O humor é fazer rir. Mas parece que custa que algo tão poderoso esteja alicerçado em algo tão básico – e é aí que surgem as tentativas de explicá-lo para além do que ele é.”
Portanto, para o humorista, “a comédia não destrói preconceitos”, também “não os normaliza” e leva-o a duvidar de “que um homofóbico [a propósito do momento de humor exposto no vídeo no início do artigo] deixe de o ser depois de ver um espetáculo de stand up” comedy. “Isto serve para todos os preconceitos. Porque, desde que haja público, há humor. E há-o em tudo.”
O humor “não altera a forma de ser de alguém”, aceita Frederico Pombares, que concorda de forma clara como água que ironizar sobre tabus pode ser um contributo para o pensamento. Recusa com a rigidez férrea, porém, que, podendo levar a questionar, “nunca mudará opiniões já formadas”. “Pelo menos, nunca soube de um caso.”
A comédia e os tabus
“O humor provoca sempre e isso faz com que as pessoas que têm ideias já concebidas se rebelem”, constata o humorista. “Leva-as a sentirem-se ridicularizadas.” Para Pombares “só pessoas muito abertas à mudança – que devem representar 1% –” permitem questionar-se perante a provocação humorística. Ou seja, dificilmente o humor derruba ou edifica tabus.
“O humor é bem-vindo, já que nos eleva para uma dimensão feliz mediante tantos acontecimentos que nos frustram. A questão é que, quando muito controlado, o humor perde a graça”, avisa Fabiano de Abreu Rodrigues, aludindo às fronteiras da comédia. “As nuances do humor estão na sátira, na perturbação, já que todos temos um quê de sádicos. O humorista deve apresentar-se como um campo neutro, mas com os devidos cuidados para não se tornar numa influência negativa”, entende o neurocientista, que exemplifica socorrendo-se de um dos preconceitos eventualmente mais melindrosos: os raciais.
“É como usar a cor de alguém que estatisticamente comete mais crimes para contar uma piada sem analisar a razão histórica pela qual isso acontece” – isto é: “generalizar” e o risco de a banalização poder “provocar ou reforçar o preconceito e trazer angústia àqueles que sendo da mesma cor não são criminosos”. Ou seja, conclui o neurocientista, até “a inteligência no humor deve ser usada com alguma cautela”.
Tabu, o programa da SIC que quis mostrar que pode fazer-se humor com tudo
De acordo com Frederico Pombares, autor dos textos de Tabu, programa humorístico emitido pela SIC e conduzido por Bruno Nogueira, a intenção foi “mostrar que pode fazer-se humor com tudo”. As reações “foram ótimas”, já que “o formato é à prova de bala”. Ser ‘à prova de bala’ corrobora eventualmente aquela última afirmação de Abreu Rodrigues – de que até “a inteligência no humor deve ser usada com alguma cautela”.
“Por isto, Pombares não se admira de que as reações positivas lhe tenham chegado na forma de cumprimentos em vernáculo: “É assim mesmo, caralho”. E para acentuar o entendimento de que o humor não serve para nada – a não ser “para fazer rir” –, testemunha nunca ter sido cumprimentado pelo programa de forma ‘puritana’. “Nunca houve quem me tivesse dito ‘Olha que eu achava que era diferente e agora mudei de opinião’.” Para matar o assunto, recorda que “os limites estão em quem vê, e não de quem faz” humor. “Os comandos da televisão servem mesmo para isso. Até quando só havia um canal, dava para desligar a televisão.”
Texto: Luís Martins
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