Número de vezes que vamos à casa de banho está ‘escrito’ no nosso DNA
A frequência com que vamos à casa de banho e a relação com a síndrome do intestino irritável tem explicação genética, determina estudo sueco que encontrou a ligação entre as vezes que fazemos cocó e o nosso DNA.
Vai à casa de banho uma vez por dia? Duas ou até três vezes? Ou apenas algumas vezes por semana? Sim, o tema é fazer cocó. Desenvolvido pelos professores da Unidade de Epidemiologia Clínica do Instituto Karolinska, na Suécia, Mauro D’Amato e Ferdinando Bonfiglio, um novo estudo conclui que a frequência com que ‘vamos’ é, pelo menos até certo ponto, uma função relacionada com a nossa constituição genética. Podemos perguntar-nos por que escolheram estes cientistas estudar o tema, mas, no final, perceberemos a importância da investigação. Embora muitas pessoas raramente pensem duas vezes antes de irem à casa de banho quando a vontade aperta, para outras, doenças gastrointestinais comuns, como a síndrome do intestino irritável (SII), são um problema.
A SII afeta até 10% da população mundial e caracteriza-se por dor abdominal e distensão abdominal, hábitos intestinais irregulares, prisão de ventre e diarreia. Não sendo fatal, pode afetar gravemente a qualidade de vida. Não se sabe exatamente o que causa a SII, o que significa que as opções terapêuticas são limitadas e principalmente voltadas para o tratamento dos sintomas, em vez de atacar causas específicas. Também não temos como saber quem está em maior risco de contrair esta síndrome. Com isto em vista, “o nosso estudo visou identificar fatores de risco genéticos, observando informações genómicas e dados relacionados com a saúde em grandes grupos de pessoas“. “A ideia era a de que as nossas descobertas pudessem, com o tempo, abrir caminho para melhores opções de tratamento.”
O estudo, publicado na revista Cell Genomics, “observou a frequência com que as pessoas fazem cocó – ou sua frequência fecal – e como isto se correlaciona com os genes”. Os resultados forneceram pistas sobre os fatores de risco genéticos associados” ao distúrbio. Investigar as ligações genéticas para doenças complexas como a SII “é um desafio por uma série de razões”. Uma forma de simplificar as coisas “é desconstruir a doença em componentes biológicos individuais ou características relacionadas com os processos fisiológicos perturbados durante a doença” – a que “chamamos fenótipos intermediários ou endofenótipos“. “Se estivesse a observar uma doença cardíaca, a pressão arterial seria um exemplo de fenótipo intermediário”, clarifica.
Os cientistas adotaram esta abordagem e optaram “por estudar a motilidade intestinal como um fenótipo intermediário característico da síndrome do intestino irritável”. “Muitas pessoas experimentam dismotilidade intestinal, que é quando o intestino não funciona adequadamente para mover o conteúdo (como comida e bebida) através do sistema digestivo. Isto pode resultar em sintomas, incluindo prisão de ventre ou diarreia.” Embora a medição direta da motilidade intestinal em humanos “exija procedimentos clínicos não adequados para estudos em grande escala”, a frequência das fezes “tem correlação com a motilidade intestinal e pode, portanto, ser usada como substituta em grandes estudos genéticos”. Desta forma, “analisámos dados de 167.875 pessoas (retirados do UK Biobank e de quatro grupos menores na Europa e nos Estados Unidos da América que forneceram informações sobre a frequência com que evacuam”.
Na posse destes dados, a equipa de cientistas analisou “milhões de marcadores de DNA – os blocos de construção do nosso DNA que tornam cada um de nós geneticamente único”. “Demonstrámos pela primeira vez que a frequência das fezes é, pelo menos em parte, uma característica hereditária. Identificamos 14 regiões do genoma humano onde marcadores específicos de DNA ocorrem com mais frequência em pessoas que relatam maior ou menor frequência de fezes em comparação com o resto da população, o que faz sentido, porque nestas regiões existem vários genes cujos produtos (incluindo neurotransmissores, hormonas e receptores estão envolvidos na comunicação entre o intestino e o cérebro. Embora algumas destas moléculas já sejam conhecidas, e até tenham sido alvo de aproveitamento para a fabricação de medicamentos para influenciar a motilidade intestinal, a maioria representa novos potenciais candidatos para o tratamento de diarreia, obstipação e SII.”
Foram descobertas ainda “evidências de arquitetura genética semelhante entre a frequência das fezes e SII”. “Por outras palavras, os fatores genéticos decisivos para o controlo da frequência das fezes também parecem ser importantes quando se trata do risco de desenvolver a síndrome. Por fim, queríamos perceber se o que aprendemos no nosso estudo poderia ser usado para tentar identificar pessoas com risco acrescido de SII. Fizémo-lo calculando os pontuações poligénicas, que são valores numéricos que resumem a informação genética, neste caso relacionadas com a probabilidade de haver alteração na frequência das fezes”. O resultado foi mais importante no fornecimento de informações sobre a síndrome caracterizada principalmente por diarreia”. “Com dados do UK Biobank, mostrámos que pessoas com pontuações poligénicas mais altas (portanto, mais propensas a ter maior frequência de fezes) são até cinco vezes mais propensas a sofrer de SII com diarreia do que o resto da população.”
“É importante destacar que o nosso estudo não leva em consideração o estilo de vida nem os fatores dietéticos, que certamente afetam os hábitos intestinais. E embora tenhamos identificado 14 regiões com marcadores de DNA importantes para a frequência das fezes, na maioria destas regiões, genes individuais e as suas funções biológicas específicas ainda precisam de ser caracterizados com pormenor”, advertem Mauro D’Amato e Ferdinando Bonfiglio nas conclusões sobre o estudo.
A pontuações poligénicas de frequência das fezes e o seu valor na previsão da síndrome do intestino irritável “precisam ainda de ser testados e validados em estudos independentes e aplicados a pessoas de diferentes origens étnicas, porque apenas indivíduos de ascendência europeia foram incluídos” neste trabalho. No geral, contudo, “estas são descobertas genéticas iniciais importantes, que podem ajudar-nos a identificar novas opções de tratamento”. “Também abrem a possibilidade de usar informações genéticas para identificar pacientes com SII, bem como aqueles que se enquadram em subtipos específicos (como SII caracterizada por diarreia)”. “Isto, por sua vez, pode ajudar a estratificar os pacientes em grupos de tratamento apropriados.”
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