O verdadeiro objetivo de Putin com a invasão da Ucrânia

O momento de ameaça russa para a invasão da Ucrânia não foi escolhido por acaso. A Rússia tem os cofres cheios e a Europa está enfraquecida. Afinal, o que pretende realmente Putin, o ‘urso russo’?

O verdadeiro objetivo de Putin com a invasão da Ucrânia

A Europa enfrenta fortes ventos contrários do ponto de vista económico. Inflação, necessidade de se recuperar da pandemia e uma resposta dividida às tropas russas ao longo da fronteira com a Ucrânia arrefecem ainda mais o mês frio deste fevereiro de 2022. O descongelamento desta situação complexa nas próximas semanas – ou meses – depende de vários elementos variáveis – incluindo os tanques de Vladimir Putin, os preços da energia, os efeitos contínuos da covid-19 e a resposta da comunidade internacional. Nenhuma destas variáveis, contudo, resolverá por si só a tensão na Ucrânia e a questão assenta num tabuleiro de um xadrez em que todas as partes são obrigadas a movimentar peças, queiram ou não.

Por exemplo, os aliados no ocidente (incluindo a Europa) prometem sanções maciças se a Rússia invadir a Ucrânia, mas a eficácia destas ameaças como dissuasão é discutível. A Rússia pode, no médio prazo, vender grande parte da energia através de uma eventual aliança com a China e evitar grande parte do impacto das sanções. Putin estabeleceu também regiões autónomas especiais na Rússia como santuários económicos “à prova de sanções”. Muitos dos cidadãos mais ricos do país estão avisados ​​e terão tido tempo de movimentar e ajustar as suas finanças para o eventual corte de acesso aos bancos ocidentais. Alguns bancos europeus seriam igualmente gravemente atingidos pelas sanções.

Tensão será apenas, por agora, “um bluff” de Putin

“Os custos económicos reais para a Rússia de uma invasão estão, por isso, longe de serem claros”, considera Jorge Guira, professor associado de Direito e Finanças da Universidade de Reading, no Reino Unido. “E nem é esse, aliás, o objetivo final de Putin. Neste momento, pelo menos, é possível que todo este assunto tenso seja um bluff para enfraquecer a economia ucraniana e semear a discórdia europeia.” A situação “não é ajudada pela abordagem da ex-chanceler da Alemanha”, Angela Merkel, cuja política com a Rússia “foi sempre jogar com o tempo“. Para uma União Europeia dependente de energia, “isto serviu para afastar a possibilidade de conflito com a Rússia” e o novo e frágil governo de coligação alemão “não está preparado para a chegada de 100 mil soldados russos à fronteira com a Ucrânia”, analisa Guira.

A complicar “ainda mais as coisas”, temos o ponto de interrogação sobre “o enorme, caro e ainda não utilizado oleoduto Nordstream 2“, projetado para trazer gás russo para a Europa. A legislação da UE exige a separação do proprietário e do operador nos oleodutos, mas o fornecedor russo Gazprom não pretende ceder o controlo. Os atrasos são “uma dor de cabeça tanto para Olaf Scholz”, o novo e silencioso chanceler, quanto para Putin. “Negar o aval ao Nordstream 2 tem sido “um elemento-chave das negociações dos EUA”, enquanto “a posição da Alemanha parece mais ambígua“. Dito isto, a Rússia “pode suportar algum atraso”, já que o gás de gasoduto representa “apenas 11% das suas exportações“. Só isso já “afetaria afetaria os seus objetivos de longo prazo de prender a Alemanha a um relacionamento de codependência, pelo menos até que as metas líquidas de energia zero estejam mais ao alcance”. Isto é fundamental tanto para a ambição estratégica da Rússia quanto para a estabilidade energética alemã, “mesmo que os suprimentos de gás norte-americanos e do Catar possam vir em socorro entretanto.

Enquanto isto, a Europa faz o possível para lidar com os efeitos económicos da covid-19, que levou muitos países a assumirem enormes dívidas, que agora devem ser reembolsadas para cumprir as regras fiscais da União Europeia. Soma-se a este caldo o espectro da inflação em alta, que pode subir ainda mais. Para Jorge Guira, “uma invasão russa da Ucrânia assustaria provavelmente os mercados globais – especialmente as ações europeias” – e aumentaria os preços do gás, da eletricidade e do petróleo.

O controlo da fronteira

De regresso à fronteira com a Ucrânia, garantias de não expansão da NATO para a Ucrânia “podem, por enquanto, ser suficientes”, desde que sejam “vistas como credíveis e vinculadas ao fluxo do Nordstream 2″. Manter a Europa dependente do gás russo pelo maior tempo possível “é a chave para influenciar a Alemanha (e, portanto, a UE), bem como a Ucrânia”. “Garante a segurança russa muito mais do que o mero território.” Num mundo “complexo e interdependente”, onde a segurança militar e energética estão sob pressão, “a Europa encontra-se mal preparada para este momento”, assevera Guira. A resposta europeia tem sido “mista, pelo menos até agora”. Os estados bálticos da União Europeia “tendem a favorecer uma linha dura”, “com a Alemanha em busca do equilíbrio, e a França mais branda e e mais inclinada a um ‘reset’ com a Rússia” em questões de segurança. O Reino Unido continua “entretido com as acusações de que o primeiro-ministro quebrou as regras do confinamento pandémico e os reais problemas do país são cada vez menos relevantes”.

Mas mesmo que as tensões em torno da Ucrânia sejam amenizadas nos próximos meses, “é provável que elas regressem”. O persistente problema do gás na Europa tem um custo e o interesse russo é esticar a corda, “ver até onde conseguem ir”. O momento da jogada de Putin na Ucrânia “não é uma coincidência”. Tem os cofres públicos “cheios com o dinheiro do petróleo e a Europa está enfraquecida pela pandemia e pelas forças económicas globais”. É por isso “impossível prever o que acontecerá a seguir, embora pareça certo – “no curto prazo” – são “a persistência, o bluff e o regatear de concessões que envolvem escolhas dolorosas“. Tentar “dançar com o ‘urso russo’ [cognome de Vladimir Putin] é sempre perigoso – especialmente num inverno economicamente sombrio”, alerta o professor associado de Direito e Finanças da Universidade de Reading Jorge Guira.

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