Rinocerontes estão a ser pendurados de cabeça para baixo a pedido de cientistas
Embora rinocerontes suspensos de cabeça para baixo produzam fotos absurdas, há por trás um assunto muito sério e a ciência explica porquê.
Todos os anos, uma seleção de experiências científicas aparentemente estranhas e sem sentido recebe o Prémio Ig Nobel. Concedido pela revista de humor científico Annals of Improbable Research, o galardão homenageia projetos que “façam as pessoas rir, mas que depois as façam pensar”. Um estudo recente – que suspendeu rinocerontes de cabeça para baixo pelos tornozelos de um helicóptero – deve ter sido um pitéu para os jurados e garantiu o Ig Nobel Transportation Prize de 2021. Mas embora rinocerontes pendurados produzam fotos absurdas, por trás do prémio e do estudo está um assunto sério.
Os rinocerontes atravessam graves problemas. Existem cinco espécies de rinoceronte e estão todas em perigo. O rinoceronte branco de três toneladas é o menos ameaçado, mas apenas existem cerca de 20 mil no estado selvagem. A espécie pendurada de cabeça para baixo no estudo premiado é o rinoceronte-negro de tonelada e meia e uma população estimada em apenas 5 mil. Na tentativa de proteger as populações de rinocerontes, os conservacionistas tentaram extrair-lhes o corno (para torná-los menos desejáveis aos caçadores), recolocá-los (movê-los, de cabeça para baixo com recurso a helicóptero) e até ressuscitá-los (criar embriões a partir de óvulos e espermatozóides, ou mesmo com recurso ao DNA de espécimes mortos).
“Recolocámos os rinocerontes para áreas protegidas e cercadas e para mantê-los monitorizados – e protegidos, em teoria, da caça furtiva ao corno de rinoceronte, a sua principal ameaça. Mas isto impede-nos que os animais colonizem novas áreas, recolonizem áreas vazias ou misturem genes entre áreas”, explica Jason Gilchrist, ecologista da Universidade Edinburgh Napier. Portanto, os conservacionistas precisam da ajuda de um helicóptero para colocar rinocerontes em novas regiões, “embora até ao estudo do vencedor do Prémio Ig Nobel não tivéssemos a certeza de que este transporte de cabeça para baixo era realmente seguro para os rinocerontes.
Rinocerontes e outros herbívoros pendurados
A captura e recolocação de grandes mamíferos podem ser perigosas e até prejudiciais ao bem-estar dos animais. Os grandes mamíferos africanos, incluindo elefantes, girafas e rinocerontes, são fisiologicamente sensíveis. Todo o processo de captura e recolocação pode resultar em stresse psicológico e fisiológico. Se estes animais “receberem uma dose excessiva de tranquilizante ou se forem deixados na posição errada sob o efeito de tranquilizante, podem morrer”.
Historicamente, os métodos de recolocação da vida selvagem “eram informais e experimentais”, com métodos bem-sucedidos a serem “divulgados boca a boca”. Cada vez mais, “essa abordagem ad-hoc foi substituída por pesquisa científica formal”, seja apoiando a sabedoria percebida ou fornecendo inovações”. Por isso, “é importante, apenas por razões de saúde e bem-estar animal, que os procedimentos aplicados para capturar e mover grandes animais sejam tão seguros e o menos perturbadores possível”, esclarece o cientista.
Durante vários anos, os rinocerontes africanos foram transportados pendurados de cabeça para baixo suspensos num helicóptero, com os olhos vendados e sob tranquilização. Além de permitir a captura e a transferência de rinocerontes em curtas distâncias de áreas inacessíveis por estrada, o transporte por helicóptero pode significar tempos de viagem mais curtos, por isso pode ser preferível para o rinoceronte.
Até à data, contudo, “ninguém tinha estabelecido com total certeza se pendurar rinocerontes de cabeça para baixo era prejudicial”. “Apesar de nos parecer que estão bem quando acordam no seu destino, estariam realmente bem? É aqui que entra a ciência. Pode parecer engraçado pendurar deliberadamente 12 rinocerontes negros de cabeça para baixo durante 10 minutos, apenas para monitorizar a sua fisiologia, mas se ninguém fizesse um estudo não se saberia se esta é uma forma segura de transportar um animal em extinção.
O estudo vencedor do Prémio Ig Noble comparou a função respiratória e os efeitos metabólicos dos rinocerontes quando eram pendurados pelos tornozelos com os mesmos animais deitados de lado. Os cientistas descobriram que a eficiência respiratória dos rinocerontes pendurados de cabeça para baixo “é ligeiramente melhor do que quando são colocados de lado” sob o efeito de tranquilizantes, em ambos os casos. Assim, “o processo é afirmado como pelo menos tão bom quanto os métodos tradicionais de transporte”.
Transportar rinocerontes
“Estive envolvido em várias operações de captura e recolocação de rinocerontes brancos na África do Sul para a o meu próprio estudo: recolha de amostras de sangue e de saliva para avaliar o stresse fisiológico associado à captura. As equipas com as quais trabalhei também usavam helicópteros, mas apenas para acertar no rinoceronte com um tranquilizante do ar. Os rinocerontes foram então acordados o mais rápido possível antes de serem vendados e protegidos pelas orelhas e colocados em jaulas para transporte rodoviário para locais a muitas horas de distância. O transporte de rinocerontes por helicóptero através de distâncias muito longas é caro e nada saudável para o animal. Por isso, o transporte rodoviário é preferível”, explica Jason Gilchrist.
“Embora estar perto de bestas tão impressionantes seja humilhante e a experiência de captura um tanto excitante, a minha motivação para estar lá era a ciência: recolher dados sobre os efeitos da captura para, em última análise, melhorar a conservação da vida selvagem. No entanto, senti sempre tristeza por termos de submeter estes gigantes sensíveis gentis a um processo tão anormal. Mas, infelizmente, não temos escolha.
Se quisermos salvar efetivamente as espécies ameaçadas de extinção, “não podemos simplesmente deixá-las sozinhas”. “Necessitam de ser acompanhadas e ajudadas e, muitas vezes, isso significa movê-las para onde estão mais protegidas da caça ilegal ou para novas áreas para tentar restabelecer e diversificar as populações locais.”
Jason pretende, como qualquer conservacionista, “que estes animais sobrevivam ao procedimento de captura e recolocação e que tenham sistemas imunológicos e reprodutivos tão fortes e saudáveis quanto possível” depois de libertados nas suas novas ‘casas’. Alcançar este objetivo “requer ciência”. “E se essa ciência envolve pendurar rinocerontes de cabeça para baixo, ou outra experiência aparentemente estranha e divertida, vamos fazê-lo. A extinção da vida selvagem não é motivo para risos, mesmo que surja a oportunidade ímpar de rir à medida que aprendemos.”
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