Fibromialgia: Aprender a viver com a doença que provoca dor 24 horas por dia
«A fibromialgia pode ter consequências verdadeiramente dramáticas na vida dos doentes», refere o reumatologista Pereira da Silva.
«Nunca sei qual será o dia em que vou deixar de me mexer definitivamente». É desta forma que Raquel Machado, de 26 anos, começa por explicar o que sente todos os dias desde que lhe foi diagnosticada Fibromialgia, uma doença associada aos «preguiçosos» que se caracteriza por dores generalizadas, por vezes intensas e incapacitantes, e cansaço acentuado, explica o reumatologista Pereira da Silva – Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra.
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«Não sentia o corpo e mal conseguia abrir os olhos»
Questionada sobre como tudo começou, a memória não lhe falha. «Após um surto enorme de trabalho, acordei e, mesmo antes de abrir os olhos, apercebi-me de que algo não estava bem. Não sentia o corpo e mal conseguia abrir os olhos». Com a ajuda do namorado, Raquel Machado forçou-se a ir trabalhar, ignorando as dores e «a dormência nos membros». Procurou ajuda médica e foi-lhe explicado que se tratava apenas de um «pico de stress» e que em três dias estaria de volta ao normal. «A verdade é que, desde esse dia, tudo mudou», recorda.
«Os médicos diziam que estava a mentir»
O diagnóstico – que assenta no reconhecimento de sintomas acima referidos – raramente é imediato. Raquel Machado não foi exceção. «Até ao diagnóstico correto passou-se um ano e meio. Os médicos desvalorizavam as queixas ou diziam que estava a mentir e que a única coisa que tinha era um distúrbio», desabafa. Apesar de tudo o que se sente privada de fazer, devido à doença, não esconde que a «pior parte é lidar com o psicológico». «Sinto-me prisioneira. Tenho surtos em que deixo de mexer as pernas e tenho medo de deixar de andar. Há dias muito maus.»
Confrontado com o tempo de espera até ao diagnóstico certo, o médico reumatologista Pereira da Silva esclarece que se prende com o facto de a doença não se manifestar objetivamente. «Há, no geral, dificuldades em lidar com condições que não têm manifestação objetiva de doença, sem alteração na observação do doente ou nas suas análises. Isto fica mais difícil quando os sintomas são transmitidos de forma dramática, por doentes tipicamente ansiosos».
Apesar disso, o médico salienta: «A ciência é clara. O doente com Fibromialgia sofre, efetivamente, das dores que diz ter. A dor é real – o facto de não compreendemos completamente a sua origem não é, seguramente, culpa do doente, nem diminui a dignidade do seu sofrimento».
A doença não afeta apenas o sexo feminino, embora tenha maior prevalência, e Ricardo Fonseca é um dos poucos homens a dar a cara pela mesma. Foi diagnosticado com fibromialgia há cinco anos, depois de três anos de incógnita e de consultar três reumatologistas. Questionado sobre de que forma este problema o afeta, esclarece: «Geralmente estamos com dor 24 horas por dia. Às vezes mais ligeira, outras com as chamadas crises de Fibromialgia».
Myos «é uma associação de doentes para doentes»
A Fibromialgia é ainda pouco reconhecida pela comunidade médica e, por isso, Ricardo assumiu o papel de Presidente da Associação Nacional Contra a Fibromialgia e Síndrome de Fadiga – Myos, fundada há 16 anos pela jornalista Maria Elisa Domingues. «É uma associação de doentes para doentes. Visamos potenciar informação e apoiar à investigação», salienta. Após explicar que não há uma fórmula certa para melhorar a qualidade de vida de quem vive com a doença, Ricardo Fonseca menciona um dos grandes entraves à procura pelo bem-estar do paciente, que decorre maioritariamente no serviço privado, uma vez que o acesso ao público é demorado.
«É um grande encargo financeiro. Não há nenhum código especifico para medicação crónica. Temos embalagens mensais a custarem 30 e 40 euros. Sem contar com os tratamentos que tenho de fazer por conta própria». A este ponto, Ricardo não deixa de lamentar a rede de suporte que não existe para os pacientes de Fibromialgia. «As pessoas acabam por não fazer nada e o corpo vai ficando cada vez pior. Ao contrário do que parece, o movimento ajuda.»
À semelhança de Raquel Machado, também Ricardo viu as suas queixas serem desvalorizadas. «Sou enfermeiro, é um ambiente que à partida deveria ter alguma compreensão», desabafa, recordando as vezes em que médicos lhe perguntaram se «tinha a doença da moda» ou era «dos que não querem fazer nada». «Causa uma sensação de frustração», confessa.
Qual o tratamento indicado?
Ricardo Fonseca faz questão de explicar que «o que funciona para uns, não funciona para outros». No seu caso, além da medicação, faz psicoterapia, fisioterapia, caminhadas e acupunctura. Já Raquel Machado, que revela que a medicação não lhe tira as dores, toma suplementos de vitaminas e está a «experimentar óleo de Cbd- o ingrediente não psicoativo da planta de cannabis».
Apesar de o tratamento variar, o reumatologista refere que o «tratamento recomendado assenta no uso de medicamentos que visam diminuir o stress e a contratura muscular: Antidepressivos, relaxantes musculares e antiepiléticos. Alguns analgésicos e anti-inflamatórios podem oferecer alívio temporário. Nada disto, contudo, é muito eficaz e os efeitos secundários são frequentes. Existe evidência de que o exercício físico regular, a meditação e o mindfulness podem ter efeitos benéficos», remata.
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Texto: Sílvia Abreu
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