Menino português com mutação genética rara é dos poucos casos a nível mundial

O pequeno Gonçalo tem dois anos e não anda nem fala. Leia a entrevista da mãe, Tânia Vargas.

Menino português com mutação genética rara é dos poucos casos a nível mundial

Gonçalo é filho único e sempre foi um menino muito desejado pelos pais. A gravidez foi passada de forma normal e nunca houve motivo para alarme. «Foi uma gravidez super vigiada (todos os meses via a minha obstetra). No geral foi uma gravidez normal, com alguns percalços (dores, pedras nos rins, idas à urgência) pelo meio, mas nada com o Gonçalo. Todas as ecos e exames estavam normais», conta à Crescer, do grupo Impala, Tânia Vargas, mãe do pequenito, hoje com dois anos.

Mas durante o primeiro ano de Gonçalo, cuja página do Facebook se chama O Mundo do Gonçalinho, os pais percebiam que algo de estranho se passava com o filho. O menino nasceu um bebé muito “molinho” e pouco reativo, e teve uma série de problemas que fizeram com que ficasse internado na neonatologia. Desde então, os hospitais passaram a ser visita obrigatória.

O duro diagnóstico

O diagnóstico final chegou cinco dias antes do menino fazer um ano. «Foi aí que soubemos da mutação. Para ser sincera, foi um alívio ter um diagnóstico. Conhecia casos de famílias que levavam anos até ter um diagnóstico (muitas nem chegam a ter), e nós já sabíamos que se passava algo com o Gonçalo, por isso queríamos dar um nome ao que ele tinha. Foi um misto de emoções: o alívio como disse, a vontade de saber mais, e a surpresa sobre a questão da raridade da mutação. Quando recebi a chamada, não se sabia de mais nenhum caso da mutação em específico, só depois em consulta é que soubemos que existiriam mais dois casos. Da sobreposição dos dois síndromes em si, de acordo com o ORPHANET, existe uma prevalência de <1 / 1 000 000», explica Tânia.

A mutação é num gene, ligado ao colagénio de tipo I, que está associada a duas síndromes: Osteogénese Imperfeita e Síndrome de Ehlers-Danlos. Ambos os síndromes não têm cura e causam vários tipos de problemas ao Gonçalo.

«Provocam-lhe fraturas (fragilidade óssea), hipotonia (falta de tónus muscular) e hipermobilidade (as articulações, ligamentos e etc, deslocam muito mais facilmente e esticam para lá do que deveriam), entre muitos outros sintomas. Para se ter um pouco a noção sobre a fragilidade da situação, não é preciso cair ou bater em algo lado para fraturar. A última fratura do Gonçalinho aconteceu porque ele se desequilibrou da posição de sentado, sem bater em nenhum lado», conta a mãe do menino.

«Basicamente tudo o que tem colagénio, desde órgãos, a músculos, ossos, ligamentos, etc, não funciona normalmente. Por exemplo, colapso da cervical, descoloração das escleróticas, deformidades ósseas, problemas cardíacos, rutura de vasos sanguíneos, problemas de audição, problemas de visão, entre muitos outros, estão dentro dos sintomas possíveis. Alguns já se começam a mostrar no Gonçalinho. Os síndromes também causam dores crónicas, tanto ósseas como musculares, as quais, infelizmente, ele já tem, assim como fadiga constante», continua.

O atraso no desenvolvimento do Gonçalo

Tudo isto provoca um atraso no desenvolvimento motor e noutras competências, tais como a linguagem. Aos dois anos, Gonçalo não se segura de pé sozinho, não anda e não fala. «No entanto, o desenvolvimento cognitivo é normal, o que lhe causa bastante frustração, pois quer fazer tudo como os outros meninos e não consegue. Cada vez que faz uma lesão ou uma fratura retrocede no desenvolvimento. Recentemente magoou-se num pé, deixando de fazer carga e perdeu massa muscular. Isto acabou por fazer com que perdesse algumas competências que já tinha», explica Tânia.

E que cuidados especiais se têm de ter com o pequeno Gonçalo? «Os cuidados acabam por ser vários. Não pode ser deixado sozinho, temos de estar literalmente sempre ao lado ou atrás dele para não fazer fratura. Comemos frequentemente à vez, e dormimos várias vezes por turnos, caso ele esteja mais agitado ou doente, de modo a vigiar engasgamentos (que acontecem por ele ser hipotónico) ou fracturas/lesões. Não lhe podemos contrariar o movimento, porque um puxão mal dado pode significar fratura. Evitamos elevadores, multidões ou essencialmente ambientes em que não possamos monitorizar as interações com o Gonçalo».

Alergias: A questão mais complicada

Relativamente às alergias, segundo a mãe de Gonçalo, acaba por ser «o mais complicado». «Ele faz reação alérgica por toque e inalação, para além de ingerir, que era algo que eu antes nem sabia que era possível. A última foi com a inalação de ovo, estava no mesmo espaço e foi o suficiente. Isto acaba por nos fazer ter muitos cuidados. Limpamos sempre mesas, cadeiras e tudo o que o Gonçalo possa tocar quando vamos a um restaurante ou sítio com comida. Temos o cuidado de ficar longe da cozinha. A introdução de novos alimentos é lenta e regrada. Só pode comer certas e determinadas coisas. Temos de estar sempre em cima – já perdi a conta às vezes que lhe ofereceram alimentos que o podem, efetivamente, matar. A medicação de SOS (anti-histaminicos, epipen, corticoides) está sempre connosco», garante.
Apesar de todos estes problemas, os pais, residentes em Braga, fazem com que o dia-a-dia do menino seja o mais normal possível. Grande parte do tempo dele é passado no hospital, em terapias, consultas, exames e afins. Como tal «sobra-lhe menos tempo do que eu gostaria para ser criança», salienta Tânia.

«Acabo por controlar e monitorizar muito mais do que gostaria. “Sonhei” que seria uma mãe descontraída, que deixaria o filho sujar-se, correr, cair, aprender com os erros. Infelizmente os problemas sensoriais fazem com que se deteste sujar (em certos casos fica mesmo desesperado para ser limpo rapidamente), não o posso deixar cair, ou tenho de o fazer de forma controlada pois pode fazer fratura/lesão, não o posso deixar aprender com todos os erros pois alguns deles significam consequências muito negativas para o Gonçalinho. Temos de viver a vida um dia de cada vez, ao ritmo dele», anuncia esta mãe.

«Não pensei propriamente no “porquê a mim”, mas pensei muitas vezes (e ainda penso) no “porquê a ele”»
Uma mãe e um pai nunca imaginam que vão passar por situações difíceis com os filhos. E pensam muitas vezes no famoso cliché «porquê a mim»… Mas com Tânia não foi assim.

«O Gonçalo demonstrou ter problemas de saúde menos de 24 horas depois de nascer, por isso quando tivemos o diagnóstico (aos 11 meses) já estávamos mais do que habituados a encarar o futuro com reservas. Durante os dois/três primeiros meses da vida do Gonçalo andei em negação que ele teria alguma coisa. Naquela primeira semana acho que não passei uma hora sem chorar. Sentia-me fragilizada, perdida – não fazia ideia do porquê de tantos problemas – via o meu filho à distância de uma parede de vidro (ele estava na incubadora). Quando voltámos para casa, a minha perceção (ou talvez esperança inocente) é que já estava tudo bem, já tinha passado o pior, embora ele tivesse hipotonia severa e fosse um bebé “floppy”. Começaram os exames, as consultas e com um mês de idade iniciou a fisioterapia. Lembro-me que a médica fisiatra nos passou 15 sessões e eu pensei “boa, 15 sessões e acabou o pesadelo”. Longe disso. Ainda hoje faz fisioterapia».

«Essa minha perceção mudou quando uma das médicas que segue o Gonçalo me disse que “tínhamos de chamar as coisas pelos nomes”. O Gonçalo tinha uma deficiência motora, independentemente do motivo. Não foi fácil interiorizar que seria para a vida toda. Ainda hoje em dia, eu e o meu marido a conversar sobre planos futuros damos por nós muitas vezes a dizer “…mas o Gonçalo não pode”. É aí que pegamos nos planos e adaptamos. Não pensei propriamente no “porquê a mim”, mas pensei muitas vezes (e ainda penso) no “porquê a ele”. Quando via outros bebés da mesma idade a fazer coisas que o Gonçalinho não fazia partia-me o coração. Agora já não. Aos poucos, e à maneira dele, ele consegue tudo. Ele falhou todos os marcos de desenvolvimento motor típico. Segurou a cabeça tarde, aprendeu a sentar tarde, só gatinhou quando muitos dos pares já andavam… Mas conseguiu e é isso, no final de contas, que interessa. Não existe propriamente um sítio onde se vá buscar força… Estamos constantemente em modo de sobrevivência, em piloto automático. Não nos permitimos descansar e baixar os braços, para a frente é que é caminho, como se costuma dizer. Não paramos para pensar nos “ses” e nos “porquês”», salienta.

 

Texto: Andreia Costinha de Miranda; Fotos: Gentilmente cedidas por Tânia Vargas

 

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