Amor e angústia nos bastidores do programa Olhá Festa da SIC

A dupla da SIC voltou à estrada em busca de costumes e tradições que se escondem no Portugal profundo. São dias de cumplicidade, mas também de desgaste. Os jornalistas contaram-nos tudo.

Amor e angústia nos bastidores do programa Olhá Festa da SIC

“Nós nascemos para ser marido é mulher, mas nunca fomos nem vamos ser, o que é uma pena”. A frase é de Nuno Pereira e reflete o que o une a Joana Latino. São eles que, juntos, voltam a dar voz aos costumes e às tradições que se escondem no Portugal profundo. É este o objetivo de Olhá Festa, cuja sétima temporada se estreou no Jornal da Noite, da SIC, a 1 de agosto. Durante os 31 dias deste mês, a dupla percorre o país em busca da nossa herança cultural. São dias de cumplicidade, entusiasmo e muito trabalho, mas também de uma enorme angústia, contam os próprios em exclusivo à Nova Gente.

A culpa é distribuída por vários fatores, entre eles as poucas horas de sono que, nas primeiras temporadas, os deixavam de rastos. É por isso que, agora, os jornalistas se fazem à estrada ainda antes de a rubrica chegar à antena do canal de Paço de Arcos. “Já andámos em pré-gravações. Fizemos uns cinco mil quilómetros”, conta a jornalista da SIC à nossa revista. “No total, faremos entre 12 a 15 mil”, acrescenta Nuno.

Ou seja, ainda antes de Olhá Festa ter ido para o ar, a dupla já tinha reportagem feitas em vários locais. A decisão foi estratégica. “Nos primeiros anos, dormíamos três horas por noite. Um dia típico passava por acordar de manhã para fazer uma viagem de uma, duas ou três horas para mudar de terra. Tínhamos de fazer uma abertura num ponto alto e bonito. Eu tinha de fazer a minha reportagem e o Nuno a dele. Depois, tínhamos de nos encontrar outra vez para fazer o fecho. Pelo meio, fazíamos o direto [para o Jornal da Noite]. Depois havia uma festa. Íamos deitar-nos num hotel nessa terra, com as malas que tinham passado o dia dentro das carrinhas ao sol. Passadas três horas, começava tudo outra vez. Agora, para conseguirmos dormir mais do que três horas, gravamos algumas das reportagens antes”, explica Joana Latino.

Dupla da SIC andou separada

“Agora, já andámos um mês na estrada. Na verdade, fazemos dois Olhá Festa no mesmo ano. Já demos a volta ao país a fazer as reportagens – a Joana as dela e eu as minhas. Andámos separados um do outro, que é muito difícil para nós porque nos habituamos a estar juntos, para o bem e para o mal, os 31 dias”, frisa Nuno. Apesar de terem driblado as horas de sono, com este sistema há uma “angústia maior”, assume Latino. E explica: “Uma coisa é estarmos em modo Olhá Festa contínuo, em que entramos em determinado enquadramento mental, em que estamos sempre vigilantes e alerta. Outra coisa é andarmos um pouco desamparados e, acima de tudo, separados por muitos quilómetros e a gravar coisas com a angústia de ‘será que vai bater certo’. A nossa idiossincrasia era, num ciclo de 24 horas, gravar, visionar, cortar, montar e já está. Agora estamos a fazer coisas para daqui a um mês. Será que vai bater certo quando lá chegar?”, confessa a repórter da SIC.

Nuno Pereira afina pelo mesmo diapasão, elogiando a colega por ser “muito mais prática” do que ele. “Ela consegue simplificar tudo aquilo que eu complico. Para ela é muito mais fácil e ela está sempre bem, adapta-se a qualquer coisa. Eu não”, lamenta. “É curioso porque isto ajuda-nos. Há momentos em que eu estou prestes a desistir por causa da minha ‘preguiça’ e o Nuno diz ‘vale a pena mais um quilómetro, vale a pena repetir este take’ pelo bem geral. Outras vezes, é o Nuno que já está tão cansado e não está a pensar bem, que sou eu que digo ‘não, está bom, chega. Parou’. Ao andarmos sozinhos, ele não tem este meu lado prático e eu não tenho o lado mais picuinhas dele”, completa a jornalista.

“Disse-me que eu não ia viver muitos mais anos”

E não se pense que, a partir de 1 de setembro, quando vão finalmente de férias depois de um mês a percorrer Portugal de Norte a Sul, a dupla descansa. E isto não acontece, garantem, porque “aterrar depois de fazer o Olhá Festa demora mais do que uma semana”. Nuno dá a sua visão à revista do grupo Impala“Conseguir para aquele ritmo são, no mínimo, dez dias. Eu tenho uma casa no Alentejo e lembro-me de lá ter chegado vindo de uma temporada. Quando eu estava a comer, no primeiro dia, um primo meu disse-me que eu não ia viver muitos mais anos. Perguntei-lhe porquê e ele pediu-me para eu olhar para as minhas mãos. Estavam a tremer. É um desgaste tão grande, tão grande, tão grande, que depois não conseguirmos abrandar. Acordamos à procura do sítio para o pequeno-almoço, já não estamos habituados à nossa almofada, ao nosso chuveiro, já tudo o que é nosso nos parece estranho…”, recorda.

Mais uma vez, Joana Latino frisa a “angústia” que sente. “É pensar o que é que tenho para fazer, porque é que àquela hora ainda ali estou, onde é que estou, quem são estas pessoas que estão à minha voltar. É o foco, a concentração e a entrega”, determina. E exemplifica: “Embora sendo diferentes, temos em comum a total imersão na profissão. Nós não sabemos ser jornalistas sem ser a 600 por cento e isso é o que nos faz chegar a uma terra com 300 quilómetros em cima, sem almoçar, com 40 graus e o ar condicionado do carro avariado – que acontece ao fim de muitas semenas na estada – e conseguir olhar para uma mulher e querer beber tudo aquilo que ela tem para nos dar, sabendo que ele nunca esteve com a televisão ao pé dela e que, provavelmente, nunca voltará a estar. Saber que aquele momento na vida dela é o mais importante do ponto de vista da atenção e que lhe vai ficar na memória para sempre. E que muitas pessoas a vão conhecer porque nós estivemos lá”.

No final das contras, Joana Latino e Nuno Pereira esperam poder eternizar as tradições com que se vão cruzando. “Dali trazemos um bocadinho de esperança para a cultura e as raízes do nosso país que se vão perdendo. Se daquela entrevista que a Joana fez ou que eu fiz houver uma criança que ganhe o gosto por fazer aquela arte, nós ganhámos o nosso ano. É o cumprir uma missão. Isso acontece-nos muita vez. Quando encontramos o último artesão de qualquer coisa, temos esperança que, um dia, alguém veja e siga”, vaticina ele. “Ou, pelo menos, que fique o registo”, encerra ela.

Texto: Ana Filipe Silveira;
Fotos: Nuno Moreira

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