Chinelos Havaianas: um sucesso social e de marketing nos pés de todo o mundo

Com os anos 90, as Havaianas conquistaram o mundo: no Campeonato Mundial de Futebol de 1998, em França, foi lançado o logotipo verde e amarelo, “marcando definitivamente a identidade brasileira do produto”.

Chinelos Havaianas: um sucesso social e de marketing nos pés de todo o mundo

Os chinelos – particularmente as Havaianas – são mais universais do que os ténis. As vendas mundiais destes pés descalços que separam o dedo grande do pé dos outros ultrapassam as dos ténis. Símbolo das férias de verão na praia, também são a primeira opção de calçado para homens e mulheres que vivem na pobreza em países em desenvolvimento – os “pés descalços”, como costumava dizer-se, lembra François Lévêque, professor de Economia da PSL – Mines Paris. Os chinelos “são tanto um calçado recreativo quanto um item essencial”. “Em suma, uma bênção onde quer que se viva na Terra”, diz o economista.

Os nomes dados a estas sandálias comuns são “um testemunho da sua omnipresença”. “Cada país tem o seu próprio nome para elas. Muitas vezes, em referência ao barulho que fazem quando andamos com elas. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, é flip-flop, no Egito é chip-chip, no Quebec é clic-clac, nos Camarões é tapettes. Noutras latitudes, o nome refere-se mais à distância entre os dedos dos pés: infradito na Itália ou zehentrenner na Alemanha”, explica Lévêque.

Do Vietname aos Estados Unidos da América

Nos países do Ocidente, os chinelos de dedo "simbolizam relaxamento e vida despreocupada". "Deixamo-los ao lado das toalhas de praia e acompanham-nos enquanto tomamos aperitivos com os amigos
Nos países do Ocidente, os chinelos de dedo “simbolizam relaxamento e vida despreocupada”. “Deixamo-los ao lado das toalhas de praia e acompanham-nos enquanto tomamos aperitivos com os amigos”

Em França, o nome “tong” deriva de thong, o primeiro nome dado a este tipo de calçado no Ocidente, trazido pelos norte-americanos da guerra do Vietname, mas que “não deve ser confundido com o flip-flop, sandália com uma faixa na parte superior, geralmente com um logotipo ostensivo”. Este tipo de calçado “nunca deveria ter-se espalhado fora das piscinas”. “São feios de mais, como os Crocs.”

Nos países do Ocidente, os chinelos de dedo “simbolizam relaxamento e vida despreocupada”. “Deixamo-los ao lado das toalhas de praia e acompanham-nos enquanto tomamos aperitivos com os amigos. No verão, estão por toda parte nos nossos pés. Atrás de um carrinho de compras e na cidade, bem como na piscina ou num parque de campismo. Até mesmo nos pedais das bicicletas – com o risco de nos esfolarmos – e durante a condução dos nossos carros, comportamento punível com multa”, em alguns países.

Havaianas populares ou sofisticadas depende de cada um

Os chinelos sinalizam as condições de quem os usa, como mostra este modelo assinado por uma famosa casa de moda na rue Cambon, em Paris
Os chinelos sinalizam as condições de quem os usa, como mostra este modelo assinado por uma famosa casa de moda na rue Cambon, em Paris

Pouco usados antes da década de 60, “os chinelos de dedo não aparecem nas Mitologias de Roland Barthes e, no entanto, teriam por lá o seu lugar de pleno direito”. “Vamos apostar que eles teriam incorporado o mito da simplicidade”, sugere François Lévêque. “Uma sola de borracha e uma tira de plástico em forma de Y para despir as roupas da civilização. Sem dúvida, ele também teria apontado que esta simplicidade, acessível a todos, não aboliu as diferenças sociais: através dos estilos e modelos escolhidos, os chinelos sinalizam as condições de quem os usa, como mostra este modelo da imagem acima assinado por uma famosa casa de moda na rue Cambon, em Paris.” Barthes “terá finalmente percebido o erotismo deste calçado que revela a nudez do pé, normalmente escondida”.

“Mas não somos semiólogos, somos economistas. Então, como é a economia dos chinelos?” O mercado global de chinelos “é maior do que o dos ténis”. O argumento é apresentado pelo autor de Flip-Flop, livro sobre a globalização dos chinelos publicado em 2014. “Vejamos alguns números atuais para comparação”, propõe o economista Lévêque. O consumo anual de calçado é de “cerca de 20 mil milhões de pares, um quarto dos quais são ténis, com vendas de cerca de 400 e 750 mil milhões de euros”.

De jóias francesas a monstros da indústria brasileira

Na realidade, “é difícil ser categórico no debate entre ténis e chinelos” devido à “falta de dados precisos” sobre os últimos. A produção e a revenda de chinelos são “muito descentralizadas e dispersas para dados estatísticos”. São fabricados em todo o mundo e “em todas as escalas”. “Na China, é claro, mas não apenas lá. O produto não é muito técnico, o processo não exige maquinaria sofisticada e os componentes estão prontamente disponíveis: grânulos de borracha e plástico de origem petroquímica, poliuretano, principalmente para a tira, e Etileno Vinil Acetato, principalmente para a sola.”

As Havaianas “podem ser feitas numa pequena oficina ou numa grande fábrica”. Em França, por exemplo, “a marca de chinelos bretã Jo Bigorneau emprega apenas algumas pessoas e produz algumas dezenas de pares por dia”. “O maior contraste a isto está, como se adivinha, no Brasil.”

As sandálias Havaianas, produzidas pela Alpargatas S.A., “são fabricadas a uma taxa que ultrapassa um milhão de unidades por dia”. “O Brasil é, portanto, o principal produtor mundial de chinelos.”

Durante muito tempo, as Havaianas da Alpargatas “eram de modelo único, usadas anonimamente por pessoas de comunidades pobres, e custavam muito pouco”. Mas “entretanto veio o marketing, a Moda”. Inicialmente insipiente, ao longo dos anos 80 as sandálias “ganharam logotipo (Não têm cheiro, nem soltam as tiras) e começaram a aparecer nos meio de comunicação em massa, vendidas por celebridades de rádio e de TV”.

Com os anos 90, as Havaianas conquistaram o mundo: no Campeonato Mundial de Futebol de 1998, em França, foi lançado o logotipo verde e amarelo, “marcando definitivamente a identidade brasileira do produto”, e os principais estilistas do mundo deram os seus nomes a séries limitadas de Havaianas, “assim como a Coca Cola e a Walt Disney, que pagaram para ter os seus próprios modelos promocionais”.

A grande diferença entre o preço de venda e o custo de produção

A Alpargatas S.A. é a única empresa do mundo que conseguiu isto no mercado de chinelos." Hoje, "domina uma série de concorrentes, todos muito atrás dela"
A Alpargatas S.A. é a única empresa do mundo que conseguiu isto no mercado de chinelos.” Hoje, “domina uma série de concorrentes, todos muito atrás dela”

Desde então, “foi só mercado em alta e uma profusão de modelos” – que acabaria por gerar “alto valor do produto final e larga escala na fabricação”. Criou-se uma “grande diferença entre o custo de produção e o preço de venda”, com o objetivo de aproximar este último da disposição de pagar dos diferentes segmentos de clientes, obtendo-se assim lucros enormes com um produto que um dia fora básico e humilde”.

“Mas não nos enganemos: esta estratégia vencedora é mais fácil de contar do que de fazer. A Alpargatas S.A. é a única empresa do mundo que conseguiu isto no mercado de chinelos.” Hoje, “domina uma série de concorrentes, todos muito atrás dela”.

A maioria dos concorrentes, seja na “China ou noutro lugar”, limitaram-se a produzir “chinelos baratos – o modelo que encontramos por poucos euros numa loja na Europa ou nos EUA, por exemplo, ou até por alguns cêntimos, nos mercados africanos”.

O lado não tão charmoso das Havaianas

“Centenas de milhões de homens, mulheres e crianças andam descalços em todo o mundo.” Apesar do seu lado bucólico, gentil e ancestral, “como às vezes se vê neste lado do Planeta”, andar sem sapatos “é tudo menos aconselhável”. “Cortes, edemas, inflamações e infeções por parasitas transmitidos pelo solo são apenas alguns dos problemas encontrados quando os pés dos pobres não são protegidos.”

Os chinelos de dedo “não são o calçado ideal, especialmente para caminhar todos os dias e por longas distâncias”, como acontece “com muita frequência” em África. Para as pessoas pobres de mais para comprar outros calçados, no entanto, “são incomparavelmente melhores do que andar descalço”.

O chinelo, o mais comum dos objetos, “está a provar ter uma versatilidade global”. Em áreas pobres, “pode atender a uma necessidade vital”. “Noutros lugares, proporcionar um pouco de prazer ao consumidor, combinando o essencial com o prazeroso.” Em última análise, os chinelos “têm uma contribuição incrível para o bem-estar social das pessoas em todo o mundo”. “Não é coisa pouca para uma simples sola presa por uma tira”, aceita François Lévêque.

Baratos mas poluidores

Nos países ricos, os chinelos "também são calçados descartáveis". "Abandonados à beira-mar ou à beira da estrada, sem preocupações ou arrependimentos dos seus proprietários
Nos países ricos, os chinelos “também são calçados descartáveis”. “Abandonados à beira-mar ou à beira da estrada, sem preocupações ou arrependimentos dos seus proprietários

Os chinelos, apesar de tudo, “não são apenas uma peça de vestuário de virtude”. Ao longo do seu ciclo, do berço ao túmulo, “contribuem para a degradação do Planeta, tal como como qualquer produção e o uso de outros plásticos”: “emissões de CO2 de produtos petroquímicos, resíduos de fabricação, aterros sanitários sem controlo, poluição dos Oceanos, etc., que contribuem para a as alterações climáticas globais”. Com o “bónus de serem um desperdício ainda maior devido ao seu baixo preço”.

Nos países ricos, os chinelos “também são calçados descartáveis”. “Abandonados à beira-mar ou à beira da estrada, sem preocupações ou arrependimentos dos seus proprietários. Compras de consumo excessivo, a fim de termos um grande número de pares para combinarmos com as cores de diferentes roupas ou para obtermos as novidades do ano”, critica o professor de Economia.

Mesmo que, apesar das primeiras iniciativas tanto no Norte quanto no Sul, “a circularidade completa dos chinelos não sejam para amanhã, os seus benefícios são imensos e universais de mais para serem eliminados do mapa”, concede Lévêque.

The Conversation

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