Jovens portuguesas encontram na emigração saída para sonhar

De áreas distintas, da ciência e do teatro, Nena e Inês encontraram fora de portas as oportunidades que Portugal não lhes deu.

Jovens portuguesas encontram na emigração saída para sonhar

De áreas distintas, da ciência e do teatro, Nena e Inês encontraram fora de portas as oportunidades que procuravam. Sublinham a independência, sem sufoco para pagar contas, como uma das vantagens da emigração. As oportunidades de trabalho foram, no entanto, o fator decisivo para fazerem as malas.

Nena Martins, de 23 anos, deixou Portugal para estudar teatro e escrita criativa nos EUA, tendo passado, antes, pela Bósnia. Hoje, é estrela de uma peça de teatro e sonha ter a sua própria companhia. Em declarações ao Portal de Notícias, Nena explica que a vontade de aventurar-se no estrangeiro começou já no Ensino Secundário.

Jovens portuguesas encontram na emigração saída para sonhar
“Cresci a ouvir que há mais oportunidades lá fora e comecei a procurar opções” – Nena Martins, 23 anos

“Comecei a sentir que o ambiente em que estava não me estava a ajudar a desenvolver todas as partes da minha personalidade. Estava numa escola muito homogénea, em ciências, e não me sentia capaz de explorar a minha criatividade, interesses e identidades. Também já tinha começado a ter o bichinho do teatro e, como cresci a ouvir que há mais oportunidades lá fora, comecei a procurar opções”, recorda.

Foi a filha de uma amiga da mãe, antiga estudante de uma escola internacional, quem acabou por ser o catalisador para a grande mudança. “Disse-me que havia uma organização que dava bolsas para escolas pelo mundo inteiro. A ideia de estar rodeada de pessoas de todo o mundo foi fascinante e candidatei-me. Acabei por passar dois anos na Bósnia e Herzegovina, onde comecei a fazer teatro de forma mais séria”, conta.

Depois desses primeiros anos, conseguiu uma bolsa completa para a Northwestern University, “onde havia um muito bom programa de teatro e escrita criativa”. Foi nos EUA que acabou por estabelecer-se, até porque era o país que sentia, em criança, ser “o sítio para as artes e os atores”. Foi também naquela instituição de ensino que teve acesso a “produções de nível profissional”, sem ter de “pagar muito dinheiro”.

A experiência na universidade abriu portas à jovem atriz no mundo da representação além-fronteiras, estando em cena com a peça Mother Courage and her Children, de Brecht. “Tem sido uma ótima experiência! Tenho aprendido muito com este teatro que faz peças mais avant-garde. A maioria do trabalho que fiz tem sido realista e contemporâneo, e então tem sido um enorme desafio. Também nunca tinha feito uma peça que ficasse em cena tanto tempo (oito semanas), o que vai ser interessante.

“Adoro a minha personagem Yvette. Tem uma história trágica, mas também é muito engraçada e sort of comic relief”, refere. Nena tem já novos projetos na calha, estando já em ensaios para a peça The Lacy Project, de Alena Smith, e está também a trabalhar “num solo show, Cry Baby”. “Comecei a escrever uma versão de 10 minutos em novembro, em colaboração com um teatro, aqui em Chicago, chamado Shattered Globe Theatre. Agora, estou a criar uma versão de uma hora e a tentar submeter para outros teatros e a candidatar-me a grants para ver se consigo financiar os custos de produção. Estou muito ansiosa para escrever este projeto. É muito pessoal e tem sido um enorme desafio”, diz.

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“Ter tido de viver sozinha tão cedo tornou-me mais independente e com vontade de criar as minhas próprias oportunidades”

Sobre a experiência nos EUA, onde diz ter sido bem recebida, confessa que a barreira linguística foi uma das dificuldades que sentiu na fase inicial. Ultrapassou as dificuldades lendo muito em inglês. “No meu primeiro ano, decidi ler todas as peças que encontrava na biblioteca e fazer audição para vários projetos. Comecei a conhecer mais pessoas e assimilei-me um pouco à cultura. Também entrei num grupo de comédia de improviso, o que me ajudou imenso a desinibir e a começar a desenvolver um inglês mais fluente”, descreve.

O que Nena mais está a valorizar na sua “aventura americana” é o facto de ter podido conhecer pessoas “de todas as partes do mundo”, uma mais-valia também a nível profissional. “As minhas aventuras no estrangeiro têm enchido a minha imaginação com personagens muito diferentes de mim e têm aumentado imenso o meu sentido de curiosidade (essencial para um artista!). Além disso, ter tido de viver sozinha tão cedo tornou-me mais independente e com vontade de criar as minhas próprias oportunidades. Sinto que tenho muito controlo sobre o rumo da minha vida e menos medo de tomar decisões. Quando era mais nova, sentia-me muito paralisada sempre que tinha de tomar uma decisão”, conclui.

Sobre um regresso ao nosso país, a jovem atriz tem dúvidas. “Consigo viver sozinha, pagar renda e tudo o mais sem apoio financeiro dos meus pais e só a trabalhar como professora de teatro e atriz. Sinto que em Portugal talvez isso fosse mais difícil de atingir”, confessa, sublinhando que as saudades continuam a apertar como no primeiro dia em que fez as malas para sair de casa, aos 17 anos. O grande sonho americano, ainda por cumprir, está definido: “Quero, um dia, ter a minha própria companhia de teatro”.

Mais equilíbrio entre trabalho e vida pessoal

Inês Cunha, de 24 anos, também partiu para o estrangeiro cheia de sonhos. A jovem engenheira biomédica (a tirar Doutoramento em Inteligência Artificial para Microscopia), natural de Almada, está há três meses em Estocolmo, na Suécia, a trabalhar num grande laboratório e a experiência “não podia estar a correr melhor”.

Explica ao Portal de Notícias que na base da decisão para deixar nosso país estiveram vários fatores. “Há muito tempo que sabia que queria uma carreira na ciência e há muito mais oportunidades de trabalho em laboratórios fora do país (na Europa Central, no Reino Unido, nos Países Nórdicos), principalmente na minha área de interesse.

“Como sabia que queria uma carreira em ciência, sabia que seria vantajoso para o meu currículo ter experiência de trabalho em laboratórios fora do país”, sustenta. Escolheu primeiro o laboratório para o qual queria trabalhar e só depois viu o país onde estava sediado. “Primeiro, escolhi com quem iria trabalhar – o Principal Investigator [o responsável do laboratório) – e analisei se os nossos interesses científicos se alinhavam e se tínhamos uma boa relação. Depois, em que tópico científico iria trabalhar; a seguir, pesou a cidade e as facilidades de conexões com o resto da Europa e, depois, foi saber qual era o salário”, explica, de forma metódica.

Jovens portuguesas encontram na emigração saída para sonhar
Os apartamentos em Estocolmo são mais baratos do que em Lisboa, algo que não esperava”, diz Inês Cunha, 24 anos. O salário mínimo de 3.000 euros também “não se compara ao de Portugal”

Foi com base nessas ponderações que escolheu a Suécia como país de acolhimento. Recorda ter sido bem recebida pelo instituto e pelos colegas de laboratório, tendo conseguido alojamento com facilidade, através da própria Universidade, que “ajuda investigadores estrangeiros a encontrar casa, com grande desconto em comparação com o mercado privado”.

Resolvidas as questões mais emergentes, confessa que, nas primeiras semanas, sentiu dificuldades “na parte social”. “Encontrar pessoas com quem me identificasse e com quem poderia partilhar, de certa forma, a minha vida aqui. Mas até nisso o meu instituto facilitou – há uma grande promoção de eventos sociais e atividades entre os alunos de doutoramento, precisamente para lutar contra o possível isolamento de novos alunos”, sublinha.

As grandes diferenças entre Portugal e a Suécia, conta, estão no equilíbrio entre trabalho e vida pessoal e a falta de luz solar”. “Sempre ouvi dizer que o nordic work-life balance era dos melhores do mundo e até agora não desapontou – tenho imenso tempo livre para mim fora do trabalho. Há uma grande preocupação com a saúde mental dos trabalhadores”, elogia.

“Adaptar-me às diferenças de temperatura foi fácil, mas a escuridão que temos em Estocolmo nos meses de novembro, dezembro e janeiro deixou-me com muito pouca energia”, refere. Na lista das diferenças está ainda o “grau de individualismo”. “Se quisesse, podia passar semanas sem falar com ninguém, o que, comparado ao que estou habituada em Portugal, foi muito chocante. Por outro lado, algo que me surpreendeu muito pela positiva foi o grau de organização em todo o tipo de serviços.

“Particularmente em Estocolmo, por exemplo, encontrar alojamento foi muito fácil, devido a um sistema extremamente organizado, governamental, de listas de espera para apartamentos mais baratos (mas de ótima qualidade). Acho importante sublinhar que estes apartamentos são mais baratos do que em Lisboa, algo que não esperava”, justifica. O salário mínimo também “não se compara a Portugal”, a rondar os 3.000 euros.

Inês Cunha não tem dúvidas em afirmar haver mais oportunidades para os jovens fora do País e a sua área (análise de imagens em microscopia) não foge à regra. “Para pôr em perspetiva, em Portugal (no país inteiro), há um laboratório que faz investigação nesta área e, apenas no instituto em que trabalho agora, há dezenas de laboratórios que exercem investigação neste tópico, com imensas colaborações entre eles”, exemplifica.

O grande objetivo de futuro é ter o seu próprio laboratório, “onde possa continuar a fazer ciência de forma mais livre e criativa”, embora acredite que os sonhos possam vir a mudar com o tempo. Nos planos de futuro está, também, o regresso a Portugal, onde deixou “uma parte” de si própria. “A família, amigos e a ‘casa’ que deixei para trás, que nunca será substituível.

“Sei que ainda vou viver noutros países, talvez até fora da Europa, e sei que vai trazer-me experiências inesquecíveis – que não trocaria por nada –, mas sei que todos os caminhos me vão fazer regressar ao meu país”, conclui.

Texto: Luís Martins

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