Miguel Gomes tenta outra vez “capturar a graça do mundo” com o filme “Grand Tour

O realizador Miguel Gomes considera que no cinema contemporâneo caiu em desuso a ideia de “capturar a graça do mundo”, que ele próprio ainda procura fazer em cada novo filme, como em “Grand Tour”, que se estreia no dia 19.

Miguel Gomes tenta outra vez

“Pela minha parte, faço o meu esforço para poder ter coisas que possam servir a narrativa do filme e que existam também pela sua própria beleza e pela sensação de espanto, de deslumbramento, que se tem quando se está perante aquilo a que eu chamo que é o espetáculo do mundo”, afirmou o realizador à agência Lusa.

A entrevista vem a propósito da longa-metragem “Grand Tour”, que teve estreia mundial em maio passado no Festival de Cinema de Cannes, em França, onde Miguel Gomes recebeu o prémio de Melhor Realização, e chega na próxima semana aos cinemas portugueses.

Na génese de “Grand Tour” está a ideia de uma grande viagem pela Ásia, e duas personagens inspiradas num livro de viagens do escritor Sumerset Maugham.

“O que nós tínhamos era um percurso e tínhamos aquelas duas personagens: um homem que fugia da sua futura mulher; e uma mulher que se recusava a acreditar que o noivo estivesse a fugir dela e que o perseguia estoicamente”, lembrou.

A viagem a Oriente foi encetada por Miguel Gomes e por uma pequena equipa de argumentistas e técnicos, recolhendo imagens em vários países, que serviriam, depois, para escrever o argumento.

No périplo por Myanmar, Vietname, Filipinas, Tailândia ou Japão, Miguel Gomes filmou a contemporaneidade, noites de karaoke, teatro de sombras e de marionetas, anónimos a jogarem ‘mahjong’, florestas de bambus, cidades com intenso tráfego.

“Nós queríamos era caçar borboletas, capturar coisas que nos tocassem, que possam ser graciosas, divertidas, que nos dissessem alguma coisa. Isso de tentar capturar a graça do mundo é uma coisa bastante central na história do cinema e hoje em dia um pouco caído em desuso”, constatou.

Mais tarde, a produção construiu cenários em estúdio, em Roma e em Lisboa, e rodou uma história a preto e branco, passada em 1918, com Edward (o ator Gonçalo Waddington), um funcionário público do império britânico que embarca numa viagem solitária pela Ásia, depois de ter fugido da noiva Molly (a atriz Crista Alfaiate) no dia em que ela chega para o casamento.

“Desafiada pelo impulso de Edward e decidida a casar-se com ele, Molly segue o rasto do noivo em fuga através deste ‘Grand Tour’ asiático”, refere a sinopse.

Montando as imagens de estúdio com as filmagens feitas na Ásia, Miguel Gomes costurou duas realidades, dois tempos, como um sonho, entre “um mundo inventado pelo próprio cinema” e outro “que é o oposto do espetro, que são as possibilidades do cinema, que é essa caça às borboletas”.

Para Miguel Gomes, cabe agora ao espectador escolher o que significa “Grand Tour”.

“Há uma relação de poder entre um filme e um espectador em que ele tem muito pouco poder, porque muitas vezes os filmes dizem-lhe ‘agora tens de chorar’, ‘tens de pensar isto’. E eu gosto de uma coisa – que também não sei se está muito na moda -, que é uma ambiguidade que cria um espaço para as pessoas poderem julgar por elas próprias, em vez de serem meras marionetas nas mãos de um filme”, considerou.

“Grand Tour”, cujos direitos foram vendidos para 65 países e que é o candidato de Portugal a uma nomeação para os Óscares de 2025, é também o resultado de um desafio que Miguel Gomes se coloca de cada vez que avança para um novo filme.

“Há uma ideia de como fazer e depois há um processo de descoberta, fazendo. Se o filme final corresponde à ideia inicial? Não”, explicou.

Sobre o próximo filme, também com produção de Uma Pedra no Sapato, já se sabe que se intitula “Selvajaria” e é inspirado no livro “Sertões”, do escritor brasileiro Euclides da Cunha, que Miguel Gomes considera “um dos melhores livros de sempre escritos em português”.

“Selvajaria” será “um filme de guerra no Brasil, filmado no sertão brasileiro, no estado da Bahia, numa zona muito árida e muito pobre onde se passou uma guerra”, a “Guerra dos Canudos”, no final do século XIX e que causou milhares de mortos.

Miguel Gomes tem o projeto há alguns anos, disse-se impossibilitado de o fazer durante a administração de Jair Bolsonaro no Brasil, mas, com a mudança política neste país e mantendo-se o calendário de desenvolvimento e montagem financeira, será rodado no final de 2025.

“Selvajaria” deverá ter um orçamento entre os cinco milhões e os seis milhões de euros.

*** Sílvia Borges da Silva (texto), André Kosters (fotos) e Pedro Lapinha (vídeo) ***

SS // MAG

By Impala News / Lusa

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