UNICEF alerta que crianças de Gaza registam “nível de trauma permanente” na saúde mental

A representante especial da UNICEF na Palestina, Lucia Elmi, assinalou em entrevista à Lusa que as crianças na Faixa de Gaza registam um “nível de trauma permanente”, com a necessidade de investimento a longo prazo em termos de saúde mental.

UNICEF alerta que crianças de Gaza registam

“As crianças de Gaza não têm escola desde há três meses”, recorda, numa referência ao início do mais recente conflito israelo-palestiniano provocado pelos ataques do movimento islamita Hamas de 7 de outubro.

“Mas mesmo antes deste conflito, uma em cada três crianças em Gaza necessitava de apoio médico na área da saúde mental. São traumas constantes, e vividos dia após dia”, salienta Lucia Elmi, que já desempenhou funções no Mali e Tajiquistão, Mauritânia, Kosovo, Líbano ou Indonésia pela UNICEF (Fundo das Nações Unidas para as Crianças), a agência das Nações Unidas responsável pelo fornecimento de ajuda humanitária e de desenvolvimento para as crianças à escala global e presente em 192 países e territórios.

“Em Gaza, uma criança de 15 anos já se confrontou com pelo menos cinco ou seis grandes escaladas do conflito. É um nível de trauma permanente. Podemos dizer que todas as crianças estão profundamente traumatizadas. E terá de ser efetuado um investimento a longo prazo em termos de saúde mental. E não existe qualquer local seguro onde sejam acolhidas”.

A representante especial da UNICEF na Palestina recorda que os habitantes de Gaza “tinham famílias, tinham casas, tinham sonhos, na medida do possível”, atendendo à situação neste enclave palestiniano nos últimos 15 anos, governado pelo Hamas desde 2007 e desde então submetido a um bloqueio total por Israel.

“Apenas queriam ter uma vida, existia um elevado nível de educação entre os jovens, os estudantes frequentavam a universidade, e agora quando falo com eles sentem-se desesperados, sem poder estudar, apenas pensam na próxima hora, no próximo dia, como vão ficar seguros durante a noite… É urgente a instauração de um cessar-fogo”, assinala.

A sua organização, precisa, já distribuiu desde outubro passado cerca de 600.000 pacotes de vacinas, contra a poliomielite ou a rubéola, fornece água a 1,3 milhões de pessoas, ajuda grupos de crianças mais vulneráveis, disponibiliza assistência médica variada a dezenas de milhares de crianças.

“Prosseguimos com a assistência humanitária mas não chega, é necessário muito mais”, prossegue. “A nossa preocupação desde o início é que cada criança, seja palestiniana ou israelita, tem direito à vida. As crianças precisam e devem ser protegidas. Essa é a nossa principal preocupação, e aplica-se a todas as crianças. Somos uma organização humanitária e pretendemos reger-nos por princípios humanitários, na defesa das crianças onde quer que estejam”.

A responsável da organização na Palestina regressou na manhã de quarta-feira do sul da Faixa de Gaza, da cidade de Rafah junto à fronteira com o Egito, onde permaneceu mais de uma semana.

Nesse exíguo espaço, e “empurrados” pelo Exército israelita, concentram-se cerca de 1,6 milhões de pessoas, três quartos da população total da Faixa de Gaza, muitas no limiar da sobrevivência.

“Os esforços negociais devem ser acelerados, as crianças já não podem esperar, o frio vai manter-se em fevereiro e março, para evitar a catástrofe é necessário acelerar os esforços na mesa das negociações. Não há tempo a perder”.

Lucia Elmi assegura que a sua organização vai permanecer no terreno, apesar dos elevados riscos para a sua equipa de trabalhadores humanitários.

“Estamos empenhados em permanecer no terreno, em não deixar Gaza, prosseguir na aplicação dos nossos princípios baseados a lei humanitária internacional em relação às crianças, a integridade do nosso mandato em relação a cada criança”.

Após mais de três meses de bombardeamentos e avanços militares israelitas no enclave, a responsável da UNICEF também perspetiva o futuro.

“Necessitamos de mais recursos, nas áreas do saneamento, alimentação, educação, e reerguer, reconstruir. Cerca de 70% das infraestruturas sociais básicas foram danificadas ou destruídas. Sistemas de canalizações de água, escolas, hospitais, clínicas, tudo necessita de ser reerguido, reconstruído”.

O conflito em curso entre Israel e o Hamas, que desde 2007 governa na Faixa de Gaza, foi desencadeado pelo ataque do movimento islamita em território israelita em 07 de outubro.

Nesse dia, 1.140 pessoas foram mortas, na sua maioria civis, mas também perto de 400 militares, segundo os últimos números oficiais israelitas. Cerca de 240 civis e militares foram sequestrados, com Israel a indicar que 127 permanecem na Faixa de Gaza.

Em retaliação, Israel, que prometeu destruir o movimento islamita palestiniano, bombardeia desde 07 de outubro a Faixa de Gaza, onde, segundo o governo local liderado pelo Hamas, já foram mortas mais de 23.000 pessoas — na maioria mulheres, crianças e adolescentes — e feridas mais de 59 mil, também maioritariamente civis.

A ofensiva israelita também tem destruído a maioria das infraestruturas de Gaza e perto de dois milhões de pessoas foram forçadas a abandonar as suas casas, a quase totalidade dos 2,3 milhões de habitantes do enclave, controlado pelo Hamas desde 2007.

A população da Faixa de Gaza também se confronta com uma crise humanitária sem precedentes, devido ao colapso dos hospitais, o surto de epidemias e escassez de água potável, alimentos, medicamentos e eletricidade.

Desde 07 de outubro, pelo menos 332 palestinianos também já foram mortos pelo Exército israelita e por ataques de colonos na Cisjordânia e Jerusalém leste, territórios ocupados pelo Estado judaico, para além de 5.600 detenções e mais de 3.000 feridos.

Texto: Pedro Caldeira Rodrigues,
agência Lusa

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