Daniela e Isabel são o primeiro casal homossexual a ter um filho através da Maternidade Partilhada
O casal decidiu recorrer à inovadora técnica de Fertilização Recíproca, mais conhecida como Maternidade Partilhada. Noutras palavras, Daniela dá os óvulos e Isabel o útero.
Daniela Santos tem 24 anos e está a acabar a licenciatura enquanto é gerente do Mc’Donalds de Leiria. Isabel Ferreira tem 25 e é oficial de justiça naquela localidade. Como tantos outros casais, conheceram-se na faculdade e apaixonaram-se. Passados quatro anos, estão casadas e querem ter um filho. Um sonho que, finalmente, podem concretizar em Portugal.
O casal decidiu recorrer à inovadora técnica de Fertilização Recíproca, mais conhecida como maternidade partilhada. Noutras palavras, Daniela dá os óvulos e Isabel o útero.
Primeira tentativa aconteceu em Espanha
O sonho de ter um filho fez com que as jovens tivessem de passar a fronteira para tentar engravidar através do procedimento de inseminação artificial – uma técnica que consiste na deposição artificial e medicamente assistida de esperma de um dador no útero de um dos membros do casal. Contudo, nas duas tentativas do casal em Vigo, Espanha, o resultado nunca foi positivo.
«A Isabel queria muito casar grávida. Em 2016, já depois de a ter pedido em casamento, falámos muito sobre ter filhos e começámos a informar-nos das hipóteses que tínhamos. Fomos a Espanha e, antes do casamento, fizemos duas tentativas de inseminação artificial, sem sucesso.», começa por contar Daniela.
Após as tentativas goradas, decidiram avançar com o casamento e fazer uma pausa nos tratamentos. Durante esse período foi emitido em Portugal, em janeiro de 2017, um parecer favorável ao acesso à medicina de reprodução por casais do mesmo sexo pelo o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida e o casal viu uma nova oportunidade para ter um filho. Isabel recorreu uma terceira vez ao tratamento de inseminação artificial.
Apesar de se encontrar no período mais fértil da sua vida – que ronda os 24/25 anos – Isabel voltou a não conseguir engravidar. Ainda que este procedimento seja uma técnica bastante comum, é um processo «um bocado às escuras, pois tem uma taxa de sucesso muito reduzida, de cerca de 10 a 15% de probabilidade de fecundação. Porque o receptor pode não ovular ou o espermatozóide pode não fecundar o óvulo», explica-nos Daniela.
«Apesar de custar sempre, esse terceiro resultado negativo foi muito duro. Custou muito. Na altura estávamos muito confiantes e as pessoas perguntavam muito sobre o assunto. Foi difícil».
Desiludidas e com pouca esperança, Daniela e Isabel decidiram juntar dinheiro para tentar outro método que lhes conferisse mais hipóteses de serem mães. Cada tratamento de inseminação já lhes tinha custado cerca de mil euros.
Foi numa das sessões de acompanhamento na clínica portuguesa Ferticentro – onde Daniela e Isabel tentaram engravidar pela terceira vez – que descobriram a possibilidade de serem mães através da Maternidade Partilhada. Este método é legal em Portugal há apenas 6 meses. Em Espanha e Inglaterra também já é possível optar por esta técnica e o tratamento custa cerca de 5 mil euros. «Ficámos muito interessadas. Para já, porque tem uma taxa de sucesso muito superior à inseminação artificial, e depois porque o filho é realmente das duas».
«Chama-se Maternidade Partilhada porque, biologicamente, o bebé é das duas. Não é geneticamente [apesar de já estar provado que através do cordão umbilical passa material genético], mas é das duas porque são os meus óvulos e o útero da Isabel.»
A Maternidade Partilhada é um método único, pois os membros do casal têm poder legal sobre o bebé. Na gestação de substituição – mais conhecida por barrigas de aluguer – quem recebe o embrião não tem quaisquer direitos legais sobre o bebé que irá nascer.
«Eu e a Isabel vamos ser ambas progenitoras por lei do ser que irá nascer. Assinámos uma declaração de como a criança que vai nascer através desta técnica será das duas. Apesar de isso não ir acontecer, mesmo que eu e a Isabel nos separemos, o filho será sempre nosso e os embriões congelados também. Ou seja, a Isabel não os poderá utilizar os óvulos fecundados sem o meu consentimento.»
«Nós somos assim: ‘Vamos? Vamos!’»
No momento em que esta reportagem é redigida, Daniela e Isabel já se encontram a meio do tratamento. O processo é semelhante a uma fertilização in vitro. Daniela fez uma estimulação para os seus óvulos se desenvolverem em maior número. O processo é feito através de injeções na zona abdominal. Os óvulos foram retirados cirurgicamente, seguiram para laboratório e foram fecundados pelo esperma de um dador que o casal escolheu manter no anonimato ao prestar declarações para esta reportagem.
A evolução dos óvulos é monitorizada e, se forem viáveis, passam a embriões e são congelados em criopreservação no terceiro ou quinto dias após a extracção. Entretanto, a pessoa que irá carregar o bebé começa a preparar o seu corpo para receber o embrião que é colocado no útero.
Um teste de gravidez deverá determinar se o processo foi bem sucedido.
Daniela já fez a estimulação e já extraiu os óvulos. Apesar de cada caso apresentar sintomas diferentes, para Daniela foi uma fase «com os seus sacrifícios».
«Para mim foi doloroso. Porque uma mulher, por ciclo, expele apenas um óvulo do ovário esquerdo ou do direito. No meu caso, depois de ter feito a estimulação através de injeções, no total, tinha 26 óvulos no dia da punção. Ou seja, o meu útero e os meus ovários ficaram de tal maneira inchados que nos três dias antes da cirurgia não podia conduzir. Nem conseguia estar em pé.
Injetar-se também não foi tarefa fácil para Daniela. Na intervenção cirúrgica, a jovem de 24 anos recorda ter estado muito nervosa e ter sido picada «mais de 50 vezes».
Neste momento, Isabel, que vai carregar o filho de ambas, encontra-se a «enganar o corpo» para que este pense que está grávido. 5 injeções e alguns compridos é o necessário para preparar o útero para a gravidez
«A Isabel não sofreu tanto. Agora, quando ela menstruar vai levar uma injeção que a fará interromper o período e o corpo pensar que houve uma fecundação. Na próxima semana vamos fazer uma ecografia e saberemos se o endométrio da Isabel já está preparado.»
Se as paredes do útero de Isabel já tiverem uma espessura suficiente para um embrião se conseguir agarrar, será feita a transferência de embriões.
«Esperamos já este mês fazer um teste de gravidez»
O único risco que o casal enfrenta é de o corpo de Isabel rejeitar o embrião. Contudo, as expectativas estão altas e as probabilidades do lado de Daniela e Isabel.
Daniela recorda que, na hora da decisão de quem carregaria o filho, pesou uma história desde sempre contada pela mãe de Isabel.
«Quando a Isabel era pequenina e lhe perguntavam o que é que queria ser quando fosse grande, ela dizia sempre que queria ser mamã. Ela sempre teve esse desejo desde muito cedo. E eu, apesar de adorar crianças, nunca tive o sonho de passar pela experiência da gravidez, nunca me imaginei com barriga. Então juntou-se o útil ao agradável.»
Uma família muito moderna: Do preconceito ao casamento
Quando o casal se conheceu no Instituto Politécnico de Leiria, Daniela nunca tinha assumido uma relação homossexual perante a família. Apesar de alguns amigos mais próximos terem conhecimento da sua orientação sexual, os pais de Daniela não faziam ideia que a filha tinha encontrado a companheira com quem, mais tarde, iria casar e possivelmente ter filhos.
«A minha família não sabia, ao contrário da família da Isabel. Para ela tudo era mais fácil. Eu ainda estava a assimilar ter uma relação mais descontraída. Tinha medo de ser discriminada e alvo de preconceitos.»
Tendo sempre namorado «às escondidas», Daniela confessou que afastou a ideia de se casar e ter filhos, pois não via como poderia ser feliz dentro dessas aspirações. «A minha família é muito reservada, não gosta de dar nas vistas, não gosta de aparecer e tem tendência para colocar rótulos. Eu era sempre pressionada quando comparada ao meu irmão, porque nunca me tinham conhecido um namorado. Eles faziam comentários [sobre a homossexualidade] que eu só pensava: ‘Se eles soubessem’. Acho que isso influenciou o que é que eu achava que me fazia feliz. Mas quando conheci a Isabel era tudo tão natural que ela fez-me ver que não havia problema nenhum. E isso fez-me olhar para o casamento de forma diferente: como algo que eu queria.», recorda Daniela.
«Senti-me livre»
Daniela acredita que, ao esconder a sua orientação sexual, estava a proteger-se e à família. Contudo, quando foi viver sozinha com Isabel , reconsiderou. Com Isabel a seu lado, acabou por revelar aos pais que era homossexual e que ia casar-se com a companheira. «Senti-me livre.»
«Foi estranho. O meu pai disse que se nós estávamos felizes ele estava feliz por nós. Mas para a minha mãe foi um choque. Ficou confusa e quando me pediu para fazer o casamento num sítio discreto e não dizer a ninguém magoou-me e estivemos uns tempos sem falar. A nossa relação ainda está um bocado tremida.»
Ultrapassado o choque, a família da Daniela acabou por marcar presença no grande dia do casal.
«Acho que a minha mãe tinha medo do que as outras pessoas iam dizer. Os meus pais sempre se preocuparam com a opinião dos outros. Só quando as pessoas nos começaram a elogiar é que perceberam que não havia nada de mal e a minha mãe ficou mais tranquila. Não digo que a minha mãe aceite, mas agora sei que respeita».
Agora, com a possibilidade de um bebé a caminho, Daniela espera que o nascimento da criança a una aos seus pais e que os ajude a compreender que o que este casal procura é um futuro sério.
«A família da Isabel ficou em pulgas. Já os meus pais, acharam um bocado estranho. Para a minha mãe não faz muito sentido e é estranho pensar que vai ter um neto que não vai nascer de mim».
«O amor vence sempre»
No meio de tantos planos, decisões e revelações, Isabel e Daniela ainda criaram «acidentalmente» um blogue que tem tido especial destaque na comunidade LGBT. O projeto digital nasceu no dia do casamento e inicialmente foi criado para partilhar com os convidados todos os passos do grande dia.
No entanto, quando nas preparações do casamento, depararam-se com falta de soluções no mercado para uma cerimónia homossexual. «Como havia tanta falta de informação, decidimos colocar público. Em menos de 24 horas teve mais de 7 mil visualizações», conta.
Atualmente, o blogue «O Amor Vence Sempre» partilha a história de Daniela e Isabel e a sua aventura para conseguirem ter um filho. São seguidas por milhares de pessoas de todo o mundo e até existem jovens que utilizam a plataforma para revelarem aos pais que são homossexuais.
«A minha filha utilizou o vosso blogue para me contar que era homossexual» e «a minha filha mostrou-me o vídeo do vosso casamento durante o jantar e eu percebi logo que ela me queria dizer alguma coisa.», foram algumas das mensagens que chegaram a Daniela e Isabel.
De acordo com o casal, além de dar ideias a outros casais do mesmo sexo sobre soluções para o casamento, o blogue também ajuda «pessoas a terem coragem para avançar, seja na maternidade seja no casamento».
Texto: Mafalda Tello Silva | Fotos: Instagram
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