Covid-19: TdC alerta para uso excessivo do regime excecional de contratação pública
O Tribunal de Contas (TdC) concluiu que houve “evidências de sérios desvios de conformidade” nos contratos celebrados pela administração local no âmbito da contratação pública excecional devido à pandemia da covid-19, segundo um relatório hoje divulgado.
O Tribunal de Contas (TdC) concluiu que houve “evidências de sérios desvios de conformidade” nos contratos celebrados pela administração local no âmbito da contratação pública excecional devido à pandemia da covid-19, segundo um relatório hoje divulgado. As conclusões do TdC baseiam-se numa auditoria a entidades da administração local e na análise de 86 contratos, realizados entre março de 2020 e março de 2021, no sentido de aferir o “correto, oportuno e proporcional uso do regime excecional de contratação pública”, no âmbito da resposta aos efeitos da pandemia da covid-19.
Segundo o regime excecional de contratação pública e de autorização de despesa (Decreto-Lei n.º 10 -A/2020, de 13 de março, e a Lei n.º 1-A/2020, de 20 de março), os municípios podem celebrar estes contratos “excecionalmente, na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa, devidamente fundamentada, e independentemente do preço contratual e até ao limite do cabimento orçamental”.
Foram auditados os municípios de Leiria, Caminha (Viana do Castelo), Braga, Guimarães e Vila Nova de Famalicão (todos no distrito de Braga), Porto, Vila Nova de Gaia, Matosinhos (Porto), Lisboa, Loures, Sintra, Oeiras, Cascais e Mafra (Lisboa), Almada e Seixal (Setúbal), Tavira, Albufeira e Portimão (Faro), as Comunidades Intermunicipais da Lezíria do Tejo, Tâmega e Sousa e Alentejo Litoral e as empresas municipais Cascais Próxima e Gaiurb, e ainda a Associação de Municípios do Vale do Sousa.
Após a análise, o TdC concluiu que os 86 contratos analisados “foram objeto de um esforço de fundamentação”, mas “quase sempre de forma vaga, sem atender a todos os requisitos que deveriam estar reunidos para a adoção do ajuste direto por urgência impiedosa”. “Para uma parte considerável dos contratos covid, o recurso ao ajuste direto assenta na fundamentação de uma situação de urgência que não foi evidenciada. Com efeito, descontado o início do período pandémico, genericamente, não se vislumbram sinais de que as entidades adjudicantes se deparassem com uma escassez de tempo que impedisse a adoção de procedimentos mais abertos, designadamente, a consulta prévia”, pode ler-se nas conclusões do relatório.
A auditoria constatou que, dos 86 contratos analisados, em 22 decorreram 20 ou mais dias entre a identificação da necessidade e a adjudicação, sendo que em nove desses casos ultrapassou mesmo os 40 dias. A lei entende como motivos de “urgência imperiosa” situações em que a prestação de serviço “não pode ser adiada, sob pena de não ser mais possível realizá-la ou que a sua não-realização imediata virá a causar prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação”.
O TdC alerta também para o facto de muitos dos contratos não terem cumprido as orientações e recomendações para o uso de outras “figuras procedimentais”, como consultas prévias ou “procedimentos mais concorrenciais”, mesmo nos casos em que houve “condições temporais”. “Nem sequer foram desenvolvidas diligências de auscultação do mercado pela realização de consultas preliminares o que, entre outras limitações e riscos, dificultou a adoção de critérios objetivos na definição do preço e na escolha do cocontratante”, concluiu o TdC, referindo que “em 69 dos 86 procedimentos analisados as entidades adjudicantes aceitaram a primeira cotação apresentada pelo adjudicatário, não se verificando evidências de negociações, nem fixação de critérios de escolha do contratante”.
Um dos exemplos que consta no relatório do TdC diz respeito a 25 procedimentos adjudicados, entre março de 2020 e 2021, pela Câmara Municipal de Cascais à empresa Enerre (equipamentos de proteção individual), num valor acumulado de mais de 12,6 milhões de euros. Nestes procedimentos, diz o relatório, “não foram, de forma reiterada, definidas as necessidades efetuadas, auscultações prévias ao mercado e estabelecidos critérios para a escolha do adjudicatário e definição do preço”.
Tendo em conta estas conclusões, o TdC recomenda à Assembleia da República e ao Governo que avalie “a construção de um quadro legal no sentido de ser criado um regime único de contração pública emergencial, adaptável a diferentes situações de exceção e que, em regra, garanta a aplicação de alguns mecanismos concorrenciais, designadamente o convite a um número mínimo de entidades distintas para a apresentação de propostas”.
O TdC faz também um conjunto de recomendações às entidades pertencentes à administração local, de forma a serem ultrapassadas as deficiências detetadas na auditoria. “Antes do recurso ao ajuste direto por urgência imperiosa, garantam que se encontram verificados os requisitos de imprevisibilidade, nexo causal, estrita necessidade e inexistência de condições temporais para realizar outros procedimentos, incidindo a fundamentação em cada um dos pressupostos”, recomenda o TdC.
É ainda recomendando às entidades da administração local que, “mesmo recorrendo ao ajuste direto por urgência impiedosa, desenvolvam as diligências prévias de auscultação do mercado, no sentido de robustecer a fundamentação do preço e a escolha do operador”.
Para que as autarquias locais fizessem face à pandemia, a Assembleia da República aprovou um quadro legislativo excecional e temporário simplificando áreas como a contratação pública, o regime de autorização da despesa e medidas excecionais e temporárias de natureza financeira.
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