Lucas Pires, o “grande impulsionador” da direita liberal em Portugal
O ex-líder do CDS Francisco Lucas Pires (1944-1998) foi o “grande impulsionador” da direita liberal em Portugal, além da dedicação às questões europeias, disse o historiador Edmundo Alves, autor de uma sua biografia.
“O grande legado de Lucas Pires relaciona-se com a circunstância de ter sido o introdutor de uma direita liberal ‘de facto’ e não apenas no sentido económico, definindo um programa para uma direita liberal para Portugal”, declarou Edmundo Alves. Para este historiador, este aspeto “não é muito comum na direita tradicional portuguesa, que é mais conservadora e que confia quase exclusivamente no Estado”. Ao invés, “Lucas Pires queria a libertação do Estado”, acrescentou.
“Além da questão do liberalismo, Francisco Lucas Pires esforçou-se também em transformar a ideia da Europa numa ideia do ‘dia-a-dia’ dos portugueses: da cultura à cidadania. Defendeu o cosmopolitismo ao divulgar a ideia europeia em Portugal”, destacou Edmundo Alves. A biografia política “Francisco Lucas Pires – O Desafio da Liberdade” foi agora publicada pela Assembleia da República e faz parte da coleção que reúne onze monografias de deputados das quatro principais famílias políticas que – eleitas para a Constituinte – se foram mantendo como “um principal sustentáculo” da transição política ocorrida entre 1974 e 1982, data da primeira revisão constitucional.
Francisco Lucas Pires foi líder do CDS entre fevereiro de 1983 e outubro de 1985 tendo sido ministro da Cultura do VIII Governo Constitucional (1982), liderado por Francisco Balsemão. Foi deputado à Assembleia da República, eleito nas legislativas de 1976, 1979, 1981, 1983 e 1985, pelos círculos do Porto, Coimbra e Lisboa. Na biografia política, o historiador destaca que o percurso de Lucas Pires revela uma faceta “inconformista e intelectualmente rebelde”, tendo, como político, demonstrado várias vezes posições contra a corrente dominante.
Defendeu o Império e o nacionalismo radical nos anos 1960, no momento em que os Estados coloniais se desvinculavam dos territórios fora da Europa, “lutou em prol do liberalismo” em Portugal, numa altura em que o país se proclamava socialista (1974), defendeu os valores cristãos numa sociedade que começava a questionar os valores tradicionais e acreditou na comunidade política europeia “quando no próprio partido as vozes críticas” da Europa se afirmavam.
“Lucas Pires era um provocador, gostava do debate das ideias e estava de certa forma à margem do curso da História. Esteve muitas vezes ‘contra a corrente’. Era um ‘anarquista de direita’ como lhe chamava Mário Soares”, recordou o autor da biografia de Lucas Pires. “Em 1974, Lucas Pires, ficou entusiasmado com a mudança. Tinha consciência clara de que não havia solução e que o regime estava num beco”, frisou Edmundo Alves. Além dos aspetos ligados à biografia política de Lucas Pires, a investigação de Edmundo Alves permite também analisar a História da direita portuguesa no final do Estado Novo e após o 25 de Abril de 1974.
Para o historiador, é a partir do marcelismo (1968) que se formam os dois grupos, informais e inorgânicos, que vêm dar origem ao PPD (PSD) e ao CDS, sendo que é no período que começa com a morte de Oliveira Salazar que radicam as bases dos motivos que vêm justificar a existência de dois partidos à direita, “e não um”, a partir do 25 de abril de 1974.
São os dois grupos constituídos por figuras próximas de Marcelo Caetano, formados por discípulos da pequena elite portuguesa: um deles com uma estratégia mais política e que vai para a Assembleia Nacional através da Ala Liberal, Francisco Sá Carneiro, e um outro grupo que se forma em torno dos gabinetes dos ministérios que é o grupo de Diogo Freitas do Amaral, conhecido como “Grupo das Quartas-Feiras”.
“Sem querer simplificar, para a Ala Liberal havia a convicção de que as mudanças económicas e sociais pressupunham a democratização política e o grupo de Freitas do Amaral pensava que era através da democratização económica e social que se poderiam criar as bases para uma posterior democratização política”, sustentou Edmundo Alves.
Em perspetiva, refere o historiador, as razões conjunturais que se podem verificar da situação atual do CDS “é que se trata de um partido ‘albergue’ da ‘direita da rua’, como dizia Lucas Pires no II Congresso (1978), que vem no rescaldo do II Governo Constitucional (PS) e que contou o apoio do CDS. “O CDS era o partido mais à direita que o MFA consentia e toda a direita acaba por ir lá parar. É uma casa para as várias direitas, integrando mesmo a direita mais musculada na democracia mas tinha ideologia. Finalmente, Paulo Portas tentou transformar o CDS numa mescla da direita mas excluiu a ideologia”, considera Edmundo Alves.
Apesar de no passado o CDS ter congregado as várias direitas, diz Edmundo Alves, havia uma maior definição ideológica como a democracia cristã, o liberalismo de Lucas Pires, o conservadorismo de Adriano Moreira o euroceticismo de Manuel Monteiro e tudo isso deixou de existir com a liderança de Paulo Portas. “Os pequenos partidos têm de ter definidos ideologicamente para poderem fidelizar o eleitorado. Um pequeno partido exige ideologia para captar as franjas de eleitorado. No caso da liderança de Paulo Portas, que personalizou o partido, houve o afastamento em relação a uma ideologia. Foi como um eucalipto e agora o CDS está cercado por todos os lados”, diz o historiador.
Edmundo Alves é investigador do Instituto de História Contemporânea da Faculdade de Ciências Sociais de Humanas da Universidade Nova de Lisboa. O livro “Francisco Lucas Pires – O Desafio da Liberdade” (Coleção Parlamento, 245 páginas) incluiu fotografias e um Apêndice Documental com textos do antigo líder do CDS.
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