Saiba por que é que as pessoas gostam tanto de comida picante

Os elementos químicos que tornam a comida picante não têm como alvo os recetores gustativos, mas sim os de temperatura na língua.

Saiba por que é que as pessoas gostam tanto de comida picante

Nem todos gostamos de quente, o que pode tornar a comida picante numa experiência literalmente dolorosa. Então, o que torna alguns alimentos picantes e por que é que há pessoas que gostam tanto deles?

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O picante está relacionado com a sensação de temperatura. Por isso, não entra na lista dos sabores clássicos como o azedo, o amargo, o doce, o salgado e umami. Além das papilas gustativas, a língua hospeda diferentes recetores de temperatura, alguns acionados por alimentos condimentados para criar uma sensação literal de queimadura. Portanto, não é exagerado afirmar-se que a comida indiana ou a tailandesa é tão quente.

O produto químico picante que nos inflama a língua “é a capsaicina”. Vem das pimentas, que “desenvolveram o produto químico como um metabólito secundário para protegê-las de serem comidas por predadores”, diz John Hayes, diretor do Centro de Avaliação Sensorial da Penn State, citado pela revista Live Science.

A capsaicina encaixa-se num recetor de temperatura na língua, o TRPV1. “Por norma, o TRPV1 é ativado por temperaturas à volta dos 40º ou superiores. Quando comemos algo picante, com capsaicina, a molécula liga-se aos recetores e diminui a energia de ativação. Por outras palavras, a capsaicina engana o recetor para enviar sinais de queima para o cérebro a apenas 33º”, explica Hayes. Portanto, a nossa boca parece estar a queimar, mesmo que esteja à temperatura da boca, cerca de 35º, diz.

Humanos são os únicos animais que não sentem repulsa por comida picante

A piperina na pimenta-preta e o baixo pH do vinagre também podem desencadear sensação de “queimadura” do TRPV1, que é diferente, por exemplo, da alicina do alho, o wasabi e a mostarda, que interagem com um recetor de temperatura separado, o TRPA1. “Os humanos são os únicos animais que realmente gostam desta sensação de queimadura”, diz Hayes. Ao contrário de nós, a maioria dos animais sente repulsa pela experiência.

Existem várias teorias sobre os motivos que nos levam a gostarmos de alimentos picantes, apesar de às vezes a experiência ser bastante dolorosa. A teoria “mais robusta é sobre risco e recompensa”, diz Hayes. Um estudo de 2016 na revista Appetite mostra que o “comportamento de risco de uma pessoa é um bom indicador da preferência por comida picante”.

Os que gostavam de “andar em montanhas-russas” ou “conduzir a altas velocidades” tendiam a “gostar de comida mais quente”. “Tudo se resume a receber algum tipo de recompensa ou escapar à dor ou ao risco”, dexplica Alissa Nolden, cientista de alimentos e especialista sensorial da Universidade de Massachusetts.

Como a experiência de risco-recompensa se desenvolve no cérebro “ainda é um mistério”. Um investigador chama ao fascínio da comida picante “risco restrito” e “masoquismo benigno”. Mas “não há qualquer neuroimagem, ou dados, para confirmar os mecanismos exatos no cérebro para qualquer uma destas ideias”, diz Hayes.

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O consumo de alimentos condimentados também pode resumir-se a um traço de personalidade reforçado em alguns grupos sociais ou culturas. Um estudo de 2015, na revista Food Quality and Preference, conclui que “os homens são mais suscetíveis a motivações externas ou sociais para comida picante do que as mulheres”.

Portanto, “pode haver alguma ligação entre o gosto por comida picante e a masculinidade percebida”. Alguns dos primeiros estudos sobre a preferência por alimentos condimentados levantaram a hipótese de que o consumo de alimentos condimentados estava “relacionado com a ideia de machismo”. No entanto, não foi encontrada qualquer diferença na preferência por alimentos condimentados entre homens e mulheres numa amostra mexicana.

“Há também um componente genético que não totalmente explorado”, diz Nolden. É sabido que, “as pessoas tornam-se insensíveis à capsaicina à medida que comem alimentos mais condimentados”. Mas “algumas nascem com recetores de capsaicina diferentes, ou menos funcionais, dando-lhes maior tolerância a especiarias desde o início”, de acordo com um estudo de 2012, publicado na revista Physiology and Behavior. “Grande parte da variação na preferência por alimentos condimentados é genética”, confirma Nolden.

Quimioterapia pode alterar células recetoras da boca

Para as pessoas que perderam o sentido do paladar, os alimentos picantes “podem ser uma porta de entrada para desfrutar de uma refeição”. Por exemplo, “a quimioterapia administrada a pacientes com cancro pode alterar as células recetoras de sabor na boca, o que significa que os alimentos podem ter um sabor amargo, metálico ou diferente do anterior”.

Como a comida picante é detetada por recetores de temperatura – e não de sabor –, as sensações quentes ainda podem ser sentidas. De fato, alguns estudos sugerem que “pacientes com cancro procuram alimentos condimentados para aumentar a experiência sensorial durante ou após a quimioterapia”. A preferência por comida picante não é totalmente explicada por apenas uma dessas teorias. “É, provavelmente, uma integração de todos elas”, conclui Nolden.

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