“A guerra é aqui. Preciso de munições, não de boleia.” Estas palavras, ditas  alegadamente pelo presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em resposta à oferta dos norte-americanos de evacuação de Kiev logo após o lançamento da invasão em massa da Rússia em 24 de fevereiro de 2022, lançaram as bases para a reputação de herói.

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Apesar da vitória esmagadora nas eleições de 2019, os anos após a eleição foram recebidos com deceção generalizada na Ucrânia pela forma como Zelensky lidou com a pandemia e pelo fracasso em cumprir as promessas de campanha, principalmente reprimir a corrupção e acabar com a guerra no Donbass. Em dezembro de 2021, as sondagens de opinião mostraram que apenas 27% dos ucranianos confiavam nele. Quando mais de 100 mil soldados russos estavam prontos para invadir a Ucrânia, era generalizado o ceticismo no Ocidente sobre a capacidade do presidente ucraniano para liderar o país numa guerra desta escala.

Zelensky de cómico local a herói internacional

Comediante e ator cómico, Zelensky era praticamente apenas conhecido pela interpretação de um professor que inesperadamente se torna presidente na popular série de televisão ucraniana Servant of the People (Servo do Povo). Mas tanto a Ucrânia quanto Zelensky superaram as expectativas neste conflito.

Em dezembro de 2022, a confiança dos ucranianos no seu presidente estava em 84% de aprovação. Os soldados e os civis ucranianos demonstraram estarem dispostos e capazes de defender a Ucrânia. Não só resistiram ao ataque inicial a Kiev, como conseguiram retomar 54% do território capturado pela Rússia desde fevereiro do ano passado.

A demonstração de coragem e determinação pessoal de Zelensky durante a guerra ganhou admiração em todo o mundo. Até o presidente dos Estados Unidos da América se dispôs a arriscar ataques aéreos para visitar Kiev e estar lado a lado com Zelensky.

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Especialista em Política Internacional da Universidade de Aberystwyth, Jennifer Mathers explica no livro Heroísmo e Política Global “a importância política dos heróis e das narrativas heroicas”. “Os heróis e as histórias contadas sobre eles têm a capacidade de inspirar as sociedades a unirem-se e a permanecerem juntas, especialmente em tempos difíceis”, diz.

Existem “certas ações tipicamente associadas a heróis e a heroísmo, especialmente a disposição de arriscar a própria segurança e até a própria vida em defesa de uma causa ou para proteger a vida de outras pessoas”. A decisão de Zelensky de permanecer em Kiev e partilhar os perigos da guerra com os concidadãos “é em si um componente significativo de sua história heroica”, considera Mathers.

Determinação para superar obstáculos

Outra característica do heroísmo é “a determinação para superar obstáculos que podem aparecer ou ser intransponíveis”. “Não há nada de heroico numa vitória fácil.” Embora especialistas em estratégia militar e analistas políticos ocidentais tenham ficado impressionados com os sucessos da Ucrânia no campo de batalha, “ninguém espera que esta guerra termine rápida ou facilmente”.

“A vulnerabilidade de Zelensky aos implacáveis ​​ataques russos e repetidas tentativas de assassinato destacam que tanto o resultado desta guerra quanto a sua própria sobrevivência estão longe de estarem certos.” Veronica Kitchen e Jennifer Mathers argumentam que “tornar-se num herói é mais do que completar uma série de tarefas numa lista de verificação”.

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De acordo com os resultados da investigação em coautoria, “o contexto é vital”. “Um herói é um herói para um tempo, um lugar e uma audiência específicos. Na verdade, o público das narrativas heroicas é tão importante quanto os próprios heróis. Os nossos heróis têm a capacidade de nos inspirar porque são literalmente o que temos de melhor: nós próprios como gostaríamos de ser e de ser vistos pelos outros”, explica. “Os nossos heróis incorporam os valores que mais admiramos e prezamos.”

Para entender por que razões Zelensky é considerado herói, “precisamos de entender os valores que ele representa”. No recente livro The Zelensky Effect (O Efeito Zelensky), os analistas políticos Olga Onuch e Henry E. Hale argumentam que “o presidente enfatiza a unidade de todos os ucranianos e expressa uma identidade cívica nacional partilhada pela esmagadora maioria dos seus concidadãos”.

Ucranianos independentemente de tudo

Isto significa que “a principal lealdade dos ucranianos é para com o Estado e não para com uma região, um idioma ou uma religião”. De acordo com uma consulta de opinião de agosto de 2022 realizada pelo Instituto Internacional de Sociologia de Kiev, 85% dos ucranianos consideram-se cidadãos da Ucrânia, em vez de serem das regiões leste ou oeste do país, russófonos ou ucranianos, cristãos ou judeus.

Mas se a ênfase de Zelensky na identidade nacional cívica ucraniana “ajuda a explicar a sua capacidade de ligar-se aos seus próprios cidadãos”, não explica “a popularidade do presidente da Ucrânia no exterior”. Também aqui “os valores partilhados são a chave”. Zelensky descreve consecutivamente que a sociedade ucraniana partilha os valores da Europa e do Ocidente em geral: “democracia, liberalismo, tolerância e liberdade”. Refere-se “frequentemente às aspirações da Ucrânia de ingressar em instituições ocidentais, como a União Europeia e a NATO, e argumenta que “a Rússia autoritária representa uma ameaça não apenas para a Ucrânia, mas para o mundo livre como um todo”.

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A capacidade de Zelensky de adaptar a mensagem ao público também garante que as suas palavras sejam acolhidas pelas massas. Fá-lo Parafraseando Winston Churchill na Câmara dos Comuns ou, referindo-se ao bombardeamento de Pearl Harbor e aos ataques de 11 de setembro, no Congresso dos EUA. Com isto, cria laços que encorajam outras pessoas a identificarem-se com as lutas da Ucrânia.

Os desafios ao estatuto de herói

Embora o estatuto de Zelensky como herói pareça “firmemente estabelecido”, ele é “vulnerável a desafios”, considera Jennifer Mathers. Desafio que surgiu, aliás, no início deste ano, na forma de um escândalo de corrupção que afetou altos funcionários ucranianos. Zelensky agiu rapidamente “para demitir muitos dos acusados ​​e tranquilizar os aliados ocidentais de que as ajudas não estavam a ser desperdiçadas”. Novas alegações neste sentido podem, porém, “manchar a sua reputação aos olhos de ucranianos e observadores internacionais”.

A reputação de Zelensky como herói baseia-se “não apenas na sua coragem pessoal, mas também na capacidade de articular uma mensagem de valores partilhados e determinação de resistir à invasão em massa das forças russas“, iniciada há 12 meses. Se o seu heroísmo continuará a inspirar ou será rapidamente esquecido “depende da sua capacidade de manter esta unidade de propósito entre os ucranianos em acordos para a paz e a reconstrução da Ucrânia do pós-guerra”, vinca Mathers.

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