Estudo aponta para mais ansiedade e depressão dois anos após covid-19
O impacto de dois anos de pandemia no bem-estar emocional e psicológico expressa-se em “números preocupantes”, com aumentos na sintomatologia depressiva e ansiosa, nota a coordenadora de um estudo sobre pessoas enlutadas.
O impacto de dois anos de pandemia no bem-estar emocional e psicológico expressa-se em “números preocupantes”, com aumentos na sintomatologia depressiva e ansiosa, nota a coordenadora de um estudo sobre pessoas enlutadas.
Em entrevista à Lusa, no dia em que se confirmou, há dois anos, a primeira morte por covid-19 em Portugal, Daniela Nogueira — doutorada em Psicologia Clínica e da Saúde e professora de Psicologia na Universidade da Maia — refere que 75,6 por cento dos participantes enlutados portugueses apresentam “sintomatologia ansiosa”: 59,1% ligeira a moderada e 16,5% severa. Simultaneamente, 66,9% apresentam “sintomatologia depressiva”: 47,6% leve a moderada e 19,3% grave a severa.
Estas taxas, normalmente de 30 e 20%, respetivamente, estão “claramente acima do expectável”, destaca a psicoterapeuta, acrescentando ainda que “30,5% dos participantes apresentam reações de sintomatologia clínica de stress pós-traumático”. Estes são os primeiros “resultados preliminares” — recolhidos ‘online’, entre janeiro e outubro de 2021, com um total de 127 participantes — do estudo “O processo de luto e a pandemia por covid-19: estudo transnacional sobre o seu impacto ao nível do bem-estar”.
O estudo, em curso há um ano, destina-se a avaliar tanto o impacto do luto causado diretamente pela covid-19, como também o das alterações impostas aos rituais da morte. O estudo envolve “todas as pessoas que perderam alguém nos últimos dois anos”, distinguindo “os enlutados por covid”, embora sobre estes ainda não seja possível fornecer dados concretos.
“Houve pessoas que optaram por não chamar o INEM”
Daniela Nogueira — que coordena o estudo, em parceria com o Serviço de Psicologia do Centro Hospitalar Universitário de São João, que envolve investigadores de Espanha e Itália — recorda que o impacto desta pandemia “não é só a morte em si, é todo o processo que esteve antes”, nomeadamente a impossibilidade da despedida. “As pessoas entravam no hospital, sem visitas nem acompanhamento e muitas morreram”, lembra a psicoterapeuta, que tem focado a sua atividade clínica na área das perdas e dos processos de luto.
“Houve pessoas que optaram por não chamar o INEM [Instituto Nacional de Emergência Médica], porque tinham medo precisamente que as pessoas morressem no hospital e morressem sozinhas”, recorda, realçando que essas escolhas geraram “sentimentos de culpa” sobre “se a decisão podia ter tido desfecho diferente e se a pessoa se poderia ter salvo”. Houve também uma sobreexposição à morte. “Foi muito complicado começarmos a ouvir todos os dias o número de mortos”, exemplifica.
Analisando “o impacto na possibilidade de as pessoas poderem realizar o seu luto de forma normativa”, o estudo pretende averiguar se essas alterações vão ter como efeito um aumento na prevalência de luto prolongado. “Antes estimava-se que apenas 10% da população poderia ter luto prolongado” e precisar, por isso, de apoio psicoterapêutico e/ou farmacológico. Porém, a percentagem já apurada no estudo ronda os “23,8%”, o que representa “um aumento significativo”, constata Daniela Nogueira.
O aumento da sintomatologia ansiosa e depressiva explica-se por “vários fatores”, desde logo pelo “desconhecido, ser uma coisa nova” e pelo “desconcerto que causa esta imprevisibilidade (quando é que isto vai acabar?)”, aponta.
Neste contexto, as pessoas ficaram “perdidas e solitárias” e houve um “aumento pela procura de profissionais da área da saúde mental”, regista Daniela Nogueira. “Estamos a triplicar a percentagem de pessoas que nos procuram”, situa. “Quem estava mais ou menos mal ficou muito mal, quem estava mais ou menos bem ficou mal”, observa.
O estudo evoluiu, entretanto, para o projeto AURORA@COVID19-EU, cuja proposta de “articular uma resposta” ao luto e sofrimento provocados pela pandemia ficou em primeiro lugar do concurso para receber financiamento do Erasmus+.
O objetivo, inspirado na experiência da Dinamarca, é criar um modelo de saúde pública nos países do Sul da Europa que não estão, acredita a equipa, tão preparados para lidar com os desafios que a morte coloca à sociedade. Esse modelo, que pretendem fazer chegar a todas as pessoas enlutadas, passa pela formação profissional, até 2024, de cada nível de intervenção associado ao luto: agentes da comunidade, agentes indiretos (médicos de família e profissionais de saúde não mental) e agentes de saúde especializados.
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