Saiba o que é a nova doença Burnout
Organização Mundial de Saúde reconheceu o burnout como patologia, que define como estado de esgotamento profissional, físico e mental.
«Chega!» É o que o corpo parece querer dizer quando se sofre de burnout, a mais recente patologia reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS). É como se o corpo e a mente colocassem um ponto final em tudo. Os sintomas incluem cansaço devastador, associado a uma total falta de energia, como se todas as reservas do organismo estivessem esgotadas. No trabalho, a pessoa, que outrora fora competente e atenciosa, passa a funcionar como se tivesse um piloto automático ligado.
Da motivação à irritação
A motivação dá lugar à irritação, à falta de concentração, ao desânimo e à sensação de fracasso. Miguel Oliveira tem 37 anos, é chefe de equipa de call center e sabe bem o que é o burnout. «Comecei a sentir-me completamente exausto física e, acima de tudo, psicologicamente. Encontrava-me a exercer funções de duas pessoas, porque um dos meus colegas estava de baixa médica. Cheguei a estar no meu posto de trabalho com bastantes dificuldades em concluir pequenas tarefas quotidianas que me eram atribuídas. Muitas vezes, não conseguia terminá-las. Ficava parado a olhar para o ecrã do computador sem conseguir fazer o que tinha começado. Só minutos depois ganhava coragem para o finalizar. Por outro lado, havia tarefas que começaram a ser arrastadas e a serem concluídas em dois ou três dias.
«Não conseguir ter uma noite completa de sono»
«Habitualmente, sou bastante produtivo e não gosto de deixar nada de um dia para o outro. Ultimamente, não era isso que acontecia, o que me fazia sentir mal. Tinha oscilações de apetite, passava de comer muito, num dia, para não querer comer nada, no seguinte. Outro dos sintomas era sentir-me bastante cansado após um dia de trabalho e, mesmo assim, não conseguir ter uma noite completa de sono. Chegava a acordar duas e três vezes, sem razão aparente.» Miguel Oliveira acabou por procurar ajuda médica e recebeu o diagnóstico: sofria de burnout.
Patologia antiga, reconhecimento recente
A patologia não é recente, até porque há muito tempo que há pessoas a queixarem-se destes sintomas. Contudo, agora trata-se de uma síndrome reconhecida pela OMS. João Bravo é formado em Naturopatia e Osteopatia e, após alguns anos de investigação, publicou recentemente o livro Burn Out, onde integra Medicina Natural, técnicas de relaxamento e alimentação saudável. O naturopata lida de perto com esta questão e explica que não estamos perante uma patologia nova. «O burnout é aquilo que as pessoas vulgarmente conhecem como esgotamento. É um estado de exaustão física, emocional e mental.
Estado de fadiga ou de frustração
«O conceito foi descrito pela primeira vez em 1974, por Herbert Freudenberger, e define-se como um estado de fadiga ou de frustração motivado pela consagração a uma causa, a um modo de vida ou a uma relação que não correspondeu às expectativas. Pode também ser sinónimo de depressão, mas é mais do que isso». No caso de Miguel Oliveira, o excesso de trabalho está, definitivamente, ligado a esta doença, até porque, no local onde trabalha, não é o único a sofrer do mesmo mal. «Um dos meus colegas teve o mesmo diagnóstico durante meses. Por isso, penso que cheguei a este ponto devido ao stress profissional. Sendo team leader de uma equipa de um call center, muitos são os fatores stressantes que poderão ter contribuído para isso.»
Bom ‘coração’ propício para o burnout
Miguel tem o perfil de quem acabaria por sofrer de uma enfermidade destas. O perfeccionismo é uma característica de personalidade que pode transformar-se numa grande inimiga. Mas não é a única. «As pessoas perfeccionistas, com baixa autoestima ou com bom ‘coração’ são as que mais sofrem com este problema. E quem tem problemas familiares, financeiros, conjugais ou laborais também é propenso a esta patologia», esclarece João Bravo. Apesar de o burnout ser mais comum em indivíduos com idades superiores a 25 anos, também é possível diagnosticá-lo em crianças ou em idosos. «Sim, é possível. Alguns pais andam muito ansiosos e acabam por transmiti-lo aos filhos. Devido ao ritmo de vida atual, não há tempo para brincar e mimar os filhos.
O burnout nas crianças
«Não nos podemos esquecer que as crianças aprendem por imitação. Também o uso excessivo de tablets, telemóveis, computadores, televisão e consolas de jogos conduzem ao isolamento, criando excitabilidade cerebral excessiva. Para além disso, a exposição à luz e à radiação que estes aparelhos emitem inibe a produção de determinadas hormonas. Por exemplo, serotonina e melatonina. Por outro lado, na escola, os recreios são muito curtos: dez para 90 de aula. As pausas deveriam ser de 25 a 30 minutos. Não tenho dúvidas de que, com mais recreio, as crianças teriam melhor rendimento escolar.
Mente sã em corpo são
«Ainda na escola, atualmente, há a tendência para valorizar Matemática, Português e outras disciplinas em detrimento da Educação Física, fundamental para o bom desempenho mental das crianças. Corpo são em mente sã. Também se desprezam adisciplinas criativas, como Educação Visual e Música. Por outro lado, por vezes as crianças têm demasiadas atividades para além da escola e dos trabalhos de casa – Catequese, Futebol, aprender outras Línguas, Dança, etc. Não têm tempo de relaxar. Crianças que não brincam não convivem e não podem ter bom desempenho mental e social. As crianças precisam de brincar. Quem não sabe brincar não sabe pensar. Muitas vezes, tornam-se reprodutoras de pensamento e não verdadeiras pensadoras. Portanto, é necessário ensinar as crianças a fazerem escolhas», conclui.
Procurar ajuda médica
Um dos problemas da maioria das pessoas que sofrem de burnout tem que ver com o facto de não saberem qual a altura ideal para procurarem ajuda médica. Os sintomas nem sempre são claros e são muitas vezes desvalorizados. Miguel Oliveira aconselha todas as pessoas que se identificam com os sintomas descritos a procurarem auxílio. Até porque quanto mais cedo a doença for diagnosticada, melhor. «Somos nós próprios que conhecemos bem o nosso corpo e os nossos hábitos. Pelo que, a partir do momento em que se comece a verificar que existem alterações num período prolongado, devemos consultar um médico que nos faça um diagnóstico apropriado. Aconselho que se procure ajuda médica o quanto antes, de forma a que o diagnóstico se faça o mais cedo possível. É importante, para não se chegar a um ponto demasiado difícil, com recuperação mais demorada e complicada.»
Medicamentos, hábitos e alimentação
Uma vez diagnosticado o burnout, dá-se início ao tratamento que, mais do que administração de fármacos, assenta em mudanças de hábitos e de rotinas e da própria alimentação. «Conhece a expressão ‘nós somos o que comemos?’ Pois bem, nunca essa frase fez tanto sentido como nos dias de hoje. Existem alimentos que, pelas suas características, grau de toxicidade e quantidade de antinutrientes (que roubam as nossas vitaminas, sais minerais e outros nutrientes fundamentais) fazem aumentar, ainda mais, cansaço, ansiedade e irritabilidade, uma vez que descompensam o sistema nervoso. E também existem os que ajudam a melhorar o ânimo e ainda nos ajudam a tratar doenças. Sendo assim, devem eliminar-se cafeína, chá, colas e bebidas alcoólicas, carnes vermelhas, enchidos, açúcar e hidratos de carbono simples (refrigerantes, rebuçados, pastilhas elásticas, pão branco, entre outros), compensando com gérmen de trigo, pólen de abelha, levedura de cerveja, carnes brancas, peixes gordos, hortaliça e frutos secos», indica o naturopata João Bravo.
Só se cura quem quer curar-se
Fármacos e alimentação ajudam, mas não são suficientes. O esgotamento só é ultrapassado se o paciente quiser mesmo curar-se. Caso contrário, se não existir força de vontade, o tratamento fica seriamente comprometido. «Para ultrapassar a síndrome de burnout é preciso empenho, dedicação, disciplina e querer muito ficar bem. Isto pressupõe alimentação equilibrada e cuidada, que deixa de fora os alimentos que comprometem o bem-estar, passando a consumir-se apenas os que contribuem não só para o equilíbrio como também ajudam a repor a energia. Um sono de qualidade é igualmente importante, porque muda a perspetiva da vida e redimensiona os problemas, trazendo a clarividência que muitas vezes nos falta.
Exercício físico e contacto com a Natureza
Por outro lado, sem exercício físico não é fácil ultrapassar a síndrome de burnout. Não é preciso ir para um ginásio. É preciso, sim, mexer-se, exercitar-se, saber respirar e privilegiar o contacto com a Natureza. Muito importante é a ingestão de água. Grande parte da constituição do nosso corpo é água. Se não a repomos nas quantidades necessárias, é fácil perceber que entramos em desequilíbrio e tudo fica afetado. Por último, e tão importante quanto os outros tratamentos, é a atitude perante a vida», conclui o especialista.
Organização Mundial de Saúde reconhece síndrome de burnout
No final de maio, a Organização Mundial de Saúde (OMS) revelou que o burnout, conceito traduzido como «esgotamento profissional», tinha sido incluído na nova Classificação Internacional de Doenças. Esta lista, elaborada pela OMS, é baseada nas conclusões de especialistas de todo o Mundo e é utilizada para estabelecer tendências e estatísticas de Saúde. A nova classificação, chamada CIP-11, foi aprovada durante a 72.ª Assembleia Mundial da OMS e entrará em vigor no dia 1 de janeiro de 2022. «É a primeira vez que o esgotamento profissional entra na classificação. A inclusão neste capítulo significa precisamente que o burnout não é uma condição médica, mas um fenómeno ligado ao trabalho», esclarece Tarik Jasarevic, porta-voz da OMS, em nota enviada à Imprensa. A Classificação de Doenças da OMS estabelece uma linguagem comum que facilita o intercâmbio de informações entre os profissionais da área da Saúde ao redor do Planeta. O burnout, incluído no capítulo de «problemas associados» ao emprego ou ao desemprego, recebeu o código QD85. O registo da OMS explica que o esgotamento «refere-se especificamente a fenómenos relativos ao contexto profissional e não deve ser utilizado para descrever experiências em outros âmbitos da vida». O burnout não é a única nova inclusão na longa lista da OMS. A tabela recebeu novos capítulos, um deles dedicado à saúde sexual, que abrange condições como a transexualidade, até então citada na secção sobre enfermidades mentais. O transtorno provocado por jogos eletrónicos foi incluído no capítulo dependência. A nova classificação da OMS também propõe um novo capítulo sobre a Medicina Tradicional.
Sinais de Alerta
Físicos
Gastrointestinais, taquicardia, sensação de falta de ar, tonturas, sudorese, tensão arterial elevada, problemas cardiovasculares, enxaquecas, fadiga profunda e crónica, dores e tensão musculares, alterações do sono (sobretudo insónia) e do apetite, sistema imunitário enfraquecido.
Emocionais
Tristeza, apatia, alienação, frustração, raiva/revolta, tédio, perda do orgulho e do sentimento de pertença, sensação de injustiça e falta de recompensa, irritabilidade, ansiedade, depressão, baixa autoestima.
Cognitivos
Problemas de concentração, confusão, lentidão a realizar tarefas, menor criatividade, pensamentos persistentes sobre trabalho.
Comportamentais
Comunicação impessoal, atitude crítica, impulsividade, agressividade, abuso ou aumento do consumo de substâncias (tabaco, álcool, drogas, medicação), automedicação.
Sociais
Isolamento, relações distanciadas com maior sarcasmo ou cinismo, problemas de relacionamento familiar e menor convívio com amigos.
Existenciais
Conflitos de valores e crenças, necessidade de redefinir a vida e as prioridades, raiva e revolta dirigidas à vida, alteração da visão que se tinha do ser humano.
Laborais
Atrasos, absentismo, baixas médicas, maior número de erros no trabalho, menor tempo na prestação de serviços, baixa realização profissional, vontade de desistir, menor produtividade e eficácia profissional.
Como prevenir o Burnout
A melhor forma de prevenir a síndrome de burnout passa por encontrar estratégias que diminuam o stress e a pressão laboral. As condutas saudáveis evitam o desenvolvimento da doença e contribuem para tratar os sinais e sintomas quando estão no início. Assim sendo, as principais formas de prevenir esta patologia são:
• Definir pequenos objetivos, na vida profissional e pessoal;
• Participar em atividades de lazer com amigos e familiares;
• Fazer atividades fora da rotina diária (como, por exemplo, passear, comer em restaurantes ou ir ao cinema);
• Evitar o contacto com pessoas “negativas”, especialmente as que reclamam do trabalho ou dos outros;
• Conversar com alguém de confiança sobre o que se sente;
• Fazer atividades físicas regulares – ir ao ginásio, fazer caminhadas, correr, andar de bicicleta, praticar remo, natação, etc.;
• Evitar o consumo de bebidas alcoólicas, tabaco ou outras drogas, porque só vai piorar a confusão mental;
• Não se automedicar nem tomar remédios sem prescrição médica;
• Descansar adequadamente, com boas noites de sono (no mínimo, oito horas diárias);
• É essencial manter o equilíbrio entre o trabalho, as atividades de lazer, a família, a vida social e o exercício físico.
Reportagem: Lídia Belourico | DescobrirPress
LEIA MAIS
Como combater a solidão [vídeo]
Os efeitos da Internet são bons ou maus para o nosso cérebro?
Siga a Impala no Instagram