Caso Marega: O futebol retrata fielmente aquilo que é a divisão social do trabalho

Uns pensam e outros executam, e enquanto mantivermos este retrógrado ideal, às mulheres e aos negros serão sempre reservados papéis menores na sociedade. Serão sempre vistos como filhos de um Deus menor.

Caso Marega: O futebol retrata fielmente aquilo que é a divisão social do trabalho

A propósito da mulher que foi queimada com ácido pelo namorado. A 25 de Novembro de 1960 na República Dominicana as irmãs Maribel foram assassinadas pela Ditadura de Rafael Leónidas Trujillo. Este ato infame e hediondo contra as irmãs que iniciaram um movimento conhecido como “Las Mariposas” levou à revolta e consciencialização de todo um povo. Posteriormente, em 1999, a Assembleia Geral da ONU declarou o dia 25 de Novembro como a dia Internacional da eliminação da violência contra as mulheres.

Alguém acredita que os casos de mulheres tornadas vítimas de homens enfurecidos, embrutecidos e mentecaptos  e superioridade de género – socialmente cultivada –  vai ser erradicada sem medidas que punam severamente os prevaricadores, sem uma educação de base da consciência pública? Atingir a igualdade de género passa necessariamente por transformar “as regras sociais”e os papéis que subordinam as mulheres. Vem esta introdução à propósito do famigerado caso Marega, hoje transformado num acontecimento à escala mundial e catalisador do despertar da consciência colectiva para a camuflada discriminação e intolerância que promovemos para todos aqueles que de nós “são diferentes”.

Deixemos-nos de eufemismos e de acreditar que o racismo se resume a estas manifestações cada vez mais frequentes de gritos contra os adversários de cor negra. O racismo é um fenómeno estrutural.

É sonegada aos indivíduos de raça negra a oportunidade de fazer parte dos lugares de quem decide

Seja pela cor da pele, orientação sexual, cor partidária ou clubista, credo religioso, hoje aquilo que nos distingue é mais importante do que o que nos une enquanto seres pensantes. A culpa não é das claques que, como polvos de vários tentáculos e uma só cabeça, replicam de forma ampliada o que os dirigentes dos seus clubes de forma bélica e incendiária, vociferam contra os adversários, elevados à escala de inimigos. Deixemos-nos de eufemismos e de acreditar que o racismo se resume a estas manifestações cada vez mais frequentes de gritos contra os adversários de cor negra. O racismo é um fenómeno estrutural. Está social e culturalmente instalado nas entranhas da nossa sociedade. Desportiva… e não só.

Quando olhamos para as cúpulas da UEFA e FIFA, percebemos que a ausência de negros nestes lugares, jamais permitirá a adopção de medidas concretas e estruturais tendentes a banir dos estádios de futebol atos como os atrás descritos. Quando olhamos para o tecido de dirigentes que existem nos clubes da Europa constatamos, uma vez mais, que é sonegada aos indivíduos de raça negra a oportunidade de fazer parte dos lugares de quem decide.

Se viajarmos para o Universo dos treinadores que por este Mundo gerem os recursos humanos das equipas, os que pensam estratégias, concebem modelos e lideram as tropas no teatro das operações, o cenário continua a ser desolador no que à representatividade dos negros diz respeito! Justificações? Convido-vos à reflexão. Se nas grandes empresas e nos lugares políticos de destaque a ausência desta representatividade pode ser justificada, socialmente, pela desigualdade de oportunidades no acesso às melhores escolas e universidades, no desporto esta questão não se coloca.

Quem espera encontrar democracia no futebol, desengane-se

Os jogadores de futebol saem todos no mesmo bloco de partida, a diferença é que a uns são concedidas oportunidades de liderança e chefia, quais cérebros com capacidades distintas, enquanto a outros se ‘exige’ que se resignem-se à utilização dos músculos e pulmões, força motriz do trabalho. Quem espera encontrar democracia no futebol, desengane-se. O futebol retrata fielmente aquilo que é a divisão social do trabalho. Uns pensam e outros executam, e enquanto mantivermos este retrógrado ideal, às mulheres e aos negros serão sempre reservados papéis menores na sociedade. Serão sempre vistos como filhos de um Deus menor.

No nossos momentos de raiva, frustração e descarga emocional, serão eles os nossos sacos de boxe . Escudados no anonimato das claques ou, cobardemente, utilizando a força que a Natureza lhe deu, o homem teimará sempre em voltar à sua condição primata e irracional. Isto, se não ensinado a respeitar e a ser respeitado, a tolerar as diferenças e a perceber que o essencial é invisível ao olhar. O resto… o resto somos nós que, na nossa frágil condição humana, inventamos.

Daúto Faquirá, Treinador de futebol

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