Os produtos anti-celulite funcionam ou são um embuste da indústria cosmética?
A ideia de que a celulite é indesejável e deve ser corrigida foi perpetuada desde que a revista Vogue propagou o termo “celulite”. A indústria cosmética promete acabar com ela. É mesmo assim?
Embora 90% das mulheres tenham celulite, ainda não a vimos representada como uma característica anatómica normal na cultura popular. No blockbuster de Hollywood de Greta Gerwig de 2023, por exemplo, a Barbie Estereotipada, interpretada por Margot Robbie, desenvolve covinhas na parte superior da coxa como parte da sua crise existencial – acrescidas de outras falhas humanas, como halitose, pés chatos e pensamentos de morte.
Quando a Barbie Estereotipada pergunta o que são as covinhas, a boneca sábia Barbie Estranha explica que se trata de “celulite”. “Isso vai espalhar-se por todo corpo. Vais começar a ficar triste, mole e complicada.” A noção de perfeição plástica lisa e perfeita da Barbie é estragada.
Apesar da prevalência, a celulite foi construída como uma falha que necessita de correção. As consumidoras, ao que parece, concordam. Especialmente quando alimentadas com uma dieta de pele suavizada pelo Photoshop de modelos, influenciadores de de redes sociais e estrelas de Hollywood.
“A celulite é geralmente encontrada em áreas que têm maiores quantidades de gordura subcutânea, quando os depósitos de gordura empurram o tecido conjuntivo abaixo da pele, levando a uma aparência irregular. É comum, geralmente indolor e inofensiva“, explica Rebeca Pastor, professora de Anatomia Humana da Escola de Anatomia da Universidade de Bristol, no Reino Unido.
A pele humana é o maior órgão do corpo, composta por três camadas. Na superfície, a epiderme atua como a nossa primeira linha de defesa contra o ambiente. Esta camada mais externa e impermeável é composta de células constantemente renovadas e eliminadas, protegendo o nosso corpo dos elementos externos.
Abaixo da epiderme fica a derme, uma camada robusta contendo fibroblastos, as células responsáveis pela produção de proteínas essenciais como colágeno e elastina. Estas proteínas fornecem estrutura e elasticidade, contribuindo para a força e a flexibilidade da pele.
Mais profundamente ainda está a hipoderme, também conhecida como camada subcutânea. É rica em tecido adiposo – composta principalmente de gordura, que desempenha um papel crucial no amortecimento e isolamento do corpo, bem como no armazenamento de gordura que pode ser usada quando necessária. Abaixo destas três camadas de pele, há músculo. Correndo do músculo para a derme, há faixas de tecido conjuntivo, que mantêm o tecido adiposo em ‘bolsos’.
A celulite “não afeta a saúde, embora algumas pessoas relatem que afeta lhes a autoestima e a imagem corporal, o que tem mais que ver com a pressão social sobre as mulheres para que sejam fisicamente perfeitas – ou gastem dinheiro, tempo e energia na tentativa de ficarem o mais próximas possível da perfeição”, diz Rebeca Pastor.
A celulite tornou-se, assim, “num grande negócio para a indústria da beleza”. “Principalmente na preparação para o verão, as empresas promovem todos os tipos de produtos, de cremes e soros a gadgets e pílulas, todos voltados para a criação de membros perfeitamente lisos.” A pergunta mais popular parece ser “Estes tratamentos funcionam?” – mas, “como anatomista, a pergunta mais urgente é “Por que os corpos de mulheres saudáveis são considerados algo a ser tratado, curado ou corrigido?”
A indústria da beleza e bem-estar capitaliza há muito os padrões sociais de beleza. A ideia de que a celulite é indesejável e deve ser corrigida foi perpetuada desde que a revista Vogue propagou o termo ‘celulite’, apresentando o conceito a milhares de mulheres. “Esta estratégia de marketing explora as inseguranças dos consumidores, principalmente das mulheres, e promove uma busca infinita pela ‘perfeição’ para corpos que têm variação anatómica normal.”
Ao enquadrar a celulite como condição que precisa de tratamento, as empresas podem vender uma ampla gama de produtos e serviços, reforçados por endossos de celebridades pagas, que emprestam credibilidade e valor aspiracional a produtos pseudoclínicos de ‘alisamento’. No entanto, “há evidências científicas limitadas apoiando a eficácia destes suplementos no tratamento da celulite”. Na verdade, “o primeiro artigo científico sobre celulite, publicado em 1978, referiu-se-lhe como ‘a chamada celulite: a doença inventada'”.
Lançamentos recentes de produtos incluem Lemme Smooth, a mais recente adição de Kourtney Kardashian-Barker à sua linha de vitaminas e suplementos. Os materiais promocionais do produto afirmam que a cápsula “reduz visivelmente a celulite em 28 dias”. Mas o que nos diz a ciência?
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Suplementos como Lemme Smooth alegam melhorar a textura da pele e reduzir a celulite de dentro para fora. O suplemento de Kardashian-Barker contém uma mistura de melão cantaloupe francês, ácido hialurônico, cromo e vitamina C, entre outros ingredientes. A capacidade do corpo de absorver e utilizar estes ingredientes de forma que impactaria a celulite é no entanto “assunto de debate”.
Há evidências de que “o ácido hialurônico ingerido pode migrar para a pele, estimulando a produção de colágenos no interior da derme – e a vitamina C demonstrou engrossar a camada superficial da pele“. No entanto, “a ausência de padronização nos testes para o uso destes ingredientes no tratamento da celulite significa que ainda não está claro se eles terão um efeito significativo“, alerta Receba Pastor.
Outros produtos comercializados para reduzir a aparência da celulite incluem cremes e loções tópicos, com ingredientes como cafeína, retinol e extratos de ervas. Mas na verdade “os produtos cosméticos não conseguem penetrar na epiderme o suficiente para afetar significativamente os depósitos de gordura subjacentes e o tecido conjuntivo”.
Alguns tratamentos invasivos, como terapia a laser, subcisão e terapia por ondas acústicas, podem oferecer resultados mais promissores. Estes procedimentos quebram as faixas de tecido conjuntivo que causam ondulações e estimulam a produção de colágeno na derme para melhorar a elasticidade da pele. Embora estes métodos possam ser mais eficazes, são por norma caros, exigem várias sessões para atingir os resultados e “não são isentos de riscos”.
“Manter uma dieta saudável, beber muita água e praticar atividade física regularmente pode ajudar a melhorar a aparência geral da pele e reduzir a visibilidade da celulite. Perder peso e fortalecer os músculos das pernas, nádegas e abdómen pode tornar a celulite menos percetível, mas não a fará desaparecer completamente“, atesta a professora de Anatomia Humana da Escola de Anatomia da Universidade de Bristol.
“O ponto principal, porém, é que a celulite não precisa de ser tratada. É uma variação anatómica normal transformada numa condição que impulsiona um mercado lucrativo para curas que não existem. O meu principal conselho de especialista na preparação para o verão? Desconfie de alegações de empresas de cosméticos e economize seu dinheiro.”
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